quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Lula, o Sociólogo

O Obama disse que Lula é o “cara”. Eu digo que Lula é o sociólogo. Isto mesmo sem aspas. Para quem diz que eu não reconheço as virtudes do presidente ex-operário – o que não é verdade – está aqui o meu reconhecimento público.

Lula, é sabido, não tem graduação superior, nem gosta de ler livros, mas entende mais de sociologia do proletariado do que a maioria de seus companheiros, teóricos e ideólogos de esquerda. Estes tinham a pretensão de usá-lo e guia-lo para saciar os seus desejos reprimidos pelo poder burguês, mas felizmente o processo se deu ao inverso, Lula os usou para saciar o seu desejo assumido pelo poder. E vou além, Lula entende mais do proletariado do que Karl Marx, o profeta e santo de devoção da esquerda, que jamais entrou numa fábrica. Inclusive recusou convite de seu companheiro e financiador, Friedrich Engels, para conhecê-la e sentir a realidade proletária. Achou que poderia conhecer a psicologia do operariado e fazer sociologia baseando-se em livros apenas.

A razão é simples, Lula foi metalúrgico e líder sindical, sua sociologia é do operário real, tal como ele é, não do operário ideal, conforme os sociólogos de gabinete acham que ele deveria ser. Ele sabe que, no geral, o proletariado não quer a revolução socialista, tampouco ficar discutindo textos do Marx, do Foucault e da Marilena Chauí. Ele quer é aumentar sua participação no sociedade capitalista, ou seja, ele quer encher o carrinho no supermercado, comprar eletrodomésticos modernos, ter um carro ao menos popular, freqüentar mais pizzaria, churrascaria e bares bacanas, poder viajar mais, se puder se hospedar num hotel e ir de avião melhor, e ter uma mulher bonita ou que se produza esteticamente o suficiente para poder fantasiar e gozar.

Lula sabe que o proletariado não suporta intelectual (ou pseudo-intelectual) metido a tutor e doutrinador. Que se acha instrutor de ignorantes e guia de cegos, que tem a presunção de achar que sabe mais do proletariado do que o próprio proletário.

E o proletariado é assim não porque é uma massa alienada na sociedade de consumo, produto do capitalismo, e sim porque a espécie humana ao longo de sua história evolutiva busca as formas de vida que maximizem o prazer e minimizem a dor, que proporcionam uma vida mais confortável.

Certa vez, em 1979, quando era líder sindical Lula aceitou o convite da Playboy para ir ao Gallery, na época uma das mais badaladas casas noturnas de São Paulo, símbolo da elite econômica paulistana, e lá saboreou whisky. Diante dos ataques disparados da direita à esquerda, Lula não titubeou, disse que queria que todo operário ganhasse o suficiente para freqüentar a Gallery. Uma ofensa às alas hipócritas e burguesas enrustidas da esquerda, que ficaram afetadas por ver aquele que supostamente encarnaria o messias do proletariado se alegrando num templo burguês. E também às alas da direita que bafejam preconceito ideológico diante das classes emergentes ainda e das elites nordestinas – até o Collor sofreu um pouco disso - , e usa isso para descaracterizar a luta dos trabalhadores empregados. Coisa típica de uma parte da elite econômica paulistana.

Noutra ocasião quando começaram a implicar com ele por ter passado a freqüentemente a usar terno, também não se fez de rogado. Disse que todo operário gostaria de andar bem vestido. E se ele pudesse andaria sempre bem vestido. Respondeu com liberdade e realismo, sem pudores.

Lula tem tido um governo de aprovação popular recorde, que reflete uma sensível melhora nas condições de vida das camadas sociais mais baixas e um aumento significativo da participação delas no mercado consumidor, pelo menos, a curto prazo, porque agiu com pragmatismo na economia. A despeito das pataqüadas que diz, do tipo “nunca antes neste país” e de dizer que recebeu uma “herança maldita” do governo FHC, na prática Lula fez uma progressão continuada da política econômica e ampliada da política social de seu antecessor.

O primeiro sinal disso foi dado com a publicação da “Carta ao povo brasileiro” na época da campanha presidencial, se comprometendo a manter as diretrizes econômicas do governo FHC. Mas a prova evidente viria quando já eleito convidou Henrique Meireles, um tucano, recém-eleito deputado federal, para presidir o Banco Central, o que ele faz até o momento. E a prova se reforçou quando ele blindou Antonio Palocci, no ministério da Fazenda, do “fogo amigo”, devido ter dado prosseguimento à política econômica dos tucanos.

E assim fez porque sabe que se o mérito do Plano Real na estabilização da economia, no controle da inflação. Sabe que as privatizações e a abertura, iniciadas no governo Collor e ampliadas no governo FHC, desoneraram o Estado, atraíram investimentos estrangeiros, modernizaram e dinamizaram a indústria, aumentaram a empregabilidade, a produção e, conseqüentemente, a arrecadação tributária, que permitiu um investimento maior nas políticas sociais em seu governo. Ou seja, ele se beneficia de medidas que o PT, quando oposição, se opôs histericamente.

É importante frisar que os serviços prestados pelo Estado são financiados pela população através dos impostos diretos e indiretos. A “caridade” que o governo faz é com o chapéu dos outros.

Não se trata aqui de dizer que Lula meramente deu continuidade a FHC – o que já seria meritório-, até porque em matéria de política administrativa, ele foi na contramão. Enquanto o tucano se esforçou para enxugar e profissionalizar a máquina estatal, o petista se esforçou para engordá-la, aparelhando-a partidariamente, o que a médio e longo prazo tende a trazer problemas na economia. Trata-se, sim, de reconhecer as notórias, inteligência política e sociologia aplicada, de Lula, sem as quais ela cairia na tentação de seguir os devaneios dos jurássicos da esquerda, e os brasileiros estariam fazendo “panelaço”, tomando “banho de gato” e limpando o bumbum com o “jornalzinho do PT”.

Lula não foi homenageado pelo Fórum de Davos por acaso.