terça-feira, 29 de junho de 2010

Opinião: Brasil x Chile e agora Holanda

Bastou uma simples alteração, a entrada de Ramires – diga-se de passagem, forçada, devida a contusão de Felipe Mello -, para a seleção ganhar em leveza, velocidade e mobilidade. Ramires jogou do jeito que se espera de um segundo volante e um pouco mais. Marcou um pouco mais adiantado, cobriu os avanços dos alas, deu rapidez na saída de bola do meio-campo para ataque, avançando por vezes como um meia atraindo a marcação da defesa adversária e abrindo espaço para os alas e os atacantes atacarem, além de servi-los. Para mim ficou claro mais uma vez que Ramires rende mais como segundo volante do que como meia.

É verdade que o Chile como se esperava não jogou na retranca, saiu pro jogo, abrindo espaço para o Brasil jogar. Até o Michel Bastos jogou além da medianidade. Mas, mesmo que jogasse na retranca é mais fácil furar o bloqueio com um jogador como Ramires – que também não é lá essas coisas - do que com Felipe Melo. Considero este um jogador esforçado, disciplinado taticamente, mas com escassa habilidade e capacidade de improviso. Basta o Gilberto Silva como volante de contenção, papel que tem representado bem, além do de terceiro zagueiro adiantado em alguns momentos das partidas.

Lúcio mais uma vez atuo como um craque da defesa que é: rápido e preciso na marcação, habilidoso na saída de bola e seguro nas bolas altas, além de ajudar no ataque nas bolas paradas buscando o cabeceio, e atraindo a marcação para outras cabecearem como no gol do Juan. Kaká mas uma vez compensou seu potencial de arranque reduzido, devido à contusão, com voluntarismo tático e precisão nas assistências, como no gol de Luís Fabiano.

Contra a Holanda o Brasil vai enfrentar novamente uma equipe que saí pro jogo, mas com o adicional de ser mais técnica que o Chile. O time holandês é rápido, habilidoso e que troca bem os passes. Muito bem organizado taticamente. É uma equipe onde os antigos pontas sobrevivem e são peças-chaves, o que deve dar bastante trabalho para o Maicon e o Michel Bastos.

Ramires que bem entrou, não estará devido à suspensão. Os possíveis substitutos, Felipe Melo, Elano e Julio Baptista ainda não se recuperaram das contusões, são dúvidas. Torço para o Elano poder jogar. Ele é um jogador que voluntarioso, que joga em função da equipe, taticamente muito importante. Caso contrário, eu ousaria. Como a Holanda é uma equipe que sai para o jogo, recuaria o Daniel Alves como segundo volante e o Robinho como meia-atacante e colocaria o Nilmar para fazer dupla de ataque com o Luís Fabiano.

Brasil e Holanda costumam proporcionar grandes espetáculos, jogos dramáticos, como o da semifinal de 1998, definido nos penaltys em favor do Brasil. É um jogo que qualquer que for o vencedor não será surpresa, a não ser que seja uma goleada. Torço para o Brasil, mas se apostasse, apostaria 50% em cada seleção.

O ser amado e a gratidão

Quem já viveu a experiência de ser amado por alguém que ama sabe que a resposta natural a essa conjugação de almas - às vezes também de corpos - é a gratidão. Veja bem, digo a experiência de ser amado, não de simplesmente ser desejado. Para ser desejado, basta saber seduzir, cativar a atenção e o desejo do público. Basta saber atrair sobre si a projeção das fantasias da platéia, e corporificar os objetos de desejo dela. É afrodisíaco, deixa a gente vaidoso, mas não gera em nós o sentimento de gratidão, que nos "põe de joelhos". Pelo contrário, reforça o nosso narcisismo, e faz com que a gente "se ache", pense de nós além do que convém, nos viciando a jogar pra torcida.

A gratidão por ser amado é natural e nos "põe de joelhos" perante Deus e a vida, porque instala em nós a confiança no valor que temos para nós e para os outros. À medida que essa confiança cresce em nós o desejo de poder, a necessidade de demonstrar força , de "causar" decresce. E o inverso é verdadeiro. À medida que decresce em nós a certeza de sermos amados cresce em nós o desejo de poder. Seja o poder positivo para demonstrar o nosso vigor, quanto o poder negativo, isto é, de resistência, para demonstrar que não somos inocentes e carentes ao ponto de não percebermos as segundas e terceiras intenções, o cálculo frio, por trás dos gestos de amor e de amizade, e nos entregarmos a qualquer sedução.

A gratidão, porém, é possível mesmo quando as circunstâncias não são favoráveis a sua expressão natural embalada de ternura. Quando a sensação de "ser amado" está embotada, e as memórias afetivas e festivas estão desconstruídas por um realismo sombrio. Quando a percepção da sagacidade, da simulação, do oportunismo do mundo que é mal, é levada mais em conta, do que a percepção dos sinais de graça, de generosidade e de beleza deste mesmo mundo, que a despeito da maldade humana que o faz ser o que é, não deixa de ser visitado pelo amor de Deus. Mais do que possível, a gratidão se faz necessária nessas circunstâncias.

Trata-se de uma questão de autodeterminação. Tem coisas que a gente primeiro precisa fazer, para depois sentir. Senão, a gente começa a se ressentir e vira presa fácil de ser dominada pela compulsão da revanche, de “dar o troco a mais” aos nossos detratores e traidores, de fazê-los “calar a boca” e nos “engolir”. Pessoas dominadas por essa compulsão comprometem sua capacidade de fluir e frui nas suas vitórias, de gozá-las, porque elas encaram suas conquistas como uma desforra, uma vingança. Seus corações não ficam pacificados, pelo contrário, eles ficam excitados a procura de um outro motivo para vingar e um outro alvo para se vingar. Não há trégua, eles querem mais guerra.

A gratidão nos liberta dos grilhões do ressentimento, da necessidade doentia de ter que provar para os outros o que somos - ou o que não somos -, porque nos habitua a reconhecer a graça e a misericórdia nas nossas vidas; a identificar que, mesmo nos pontos críticos das nossas existências, elas jamais faltaram - e basta um olhar mais acurado para perceber que jamais faltou quem nos fizeste o bem; e a perceber que o bem mesmo quando feito com intenções egoístas contribuiu para o nosso patrimônio. Mas a implicação maior de uma atitude grata é a possibilidade de transitarmos com liberdade na vida, sem revanchismo, sem pressão por “acerto de contas”, sem afetos a reprimir, porque ela atualiza nossa capacidade de amar e de ser amado – pois para ser amado é preciso saber amar –, ampliando nossa percepção de ser amado e desembotando nossos afetos para amar e receber amor.

Não se trata de negar o diabólico na vida, as sombras por trás das luzes, e se alienar num conformismo pseudo-satisfeito ou num romantismo piegas, numa atitude irrealista. Pelo contrário, a gente só amadurece, isto é, cresce de modo sustentável quando tem uma atitude realista perante a vida, o que implica reconhecer o mal, que há trevas, que demônios operam, alguns sob forma humana e outros sob forma de demônios. Mas a mesma atitude realista implica em reconhecer que é mais racional, econômico, rentável e saudável investir naqueles que torcem por nós do que naqueles que torcem contra nós. Que é mais lucrativo ocuparmos o nosso tempo com quem nos quer bem.

A mística da paternidade

Uma das experiências místicas que mais tem me tocado ultimamente é da paternidade. Digo mística porque é uma experiência transcendente para quem está aberto, se permite ser tocado e transformado por sua sublimidade. Uma experiência que faz ir além da materialidade da vida. E não se trata de ser arrebatado, entrar em transe, em êxtase, mas sim de ser permeado por um sentido existencial, de ser envolvido por uma nuvem de mistérios, que resignifica nossa escala de valores e nos livra da importância de tantas “desimportâncias”. Não se trata também de misticismo porque não se intenta manipular mecanicamente o mundo espiritual, fazê-lo convergir aos nossos interesses - como se isso fosse possível. É uma vivência que nos põe de joelho, nos faz sentir pequenos, mas não apequenados, porque nos faz sentir integrado em pequenez com a imensidão do universo, num estado de harmonia com o cosmos.



Calma, não sou pai, não estou na iminência de ser, nem tenho esta pretensão no momento, até porque o instinto paterno ainda não se manifestou em mim. Mas nem por isso deixe de ficar comovido com o efeito metamorfoseador que a paternidade tem produzido num amigo, Humberto Lima de Aragão Neto.



Beto é o único amigo que conservo desde a época da infância. Sujeito sério, moderado no falar e no agir, cuidadoso e dedicado nos seus relacionamentos, leal nos seus compromissos, conservador nos seus hábitos e nos seus investimentos. Não pensa de si além do que é, tem consciência do seu estimado valor. É uma pessoa ética, responsável e competente naquilo que faz. Hoje ele é um publicitário pós-graduado de sucesso, atua no Cento Universitário São Camilo.



Todas essas características tem sido constante ao longo desse mais de quinze anos de caminhada amiga. Seu sucesso atual obtido, não sem muita dificuldade, é resultado dessa progressão continuada Mudanças ocorreram é claro, houveram atualizações, graças a Deus – lamento pelas pessoas que não se atualizam -, mas dentro de uma mesma linha, sem reviravoltas, desvios bruscos, giros de 180°. Ou seja, quem o conheceu há muito tempo e reencontrá-lo hoje, não vai ter aquela surpresa do tipo “nossa como você mudou”, “nem parece aquele menino”, vai sim constatar que o progresso que ele tem tido está ligado a sua disciplina metódica. Conforme já falei para ele, parece que desde criança ele tinha mais ou menos claro o que queria e desde então já traçava seu destino com parcimônia. Ciente dos recursos que tinha procurava otimizá-los ao máximo para potencializá-los, para fazer render mais. Este foi o caminho escolhido por ele.



Porém, paradoxalmente, o que me inspirou a escrever esse texto foi uma surpresa que tive com ele. Foi à revelação de uma face que eu não imaginava, a saber, de um “pai coruja”. Ele que, via de regra, sempre foi muito comedido, cauteloso nas expressões de afeto, desde que o nascimento do Arthur foi sinalizado foi tomado por uma paixão avassaladora, que aqueceu seu coração a tal ponto que suas afeições borbulham, irradiando energias positivas que contagiam o seu entorno. O seu semblante sério se enternurou refletindo o espírito lúdico que se atualizou nele.



É comovente ouvir o Beto falar com alegria entusiástica do “Arthurzinho” – como ele se refere ao rebento –, vê-lo brincar como uma criança, sem vergonha, com o rebento, pedir para ele falar no telefone comigo. Ver um amigo feliz é uma grande satisfação. E o Arthur, como fruto de amigos, de um casal que fui padrinho, já está arrolado no meu coração.



Peço a Deus que continue irradiando sabedoria aos Beto e a Patrícia para educar seu filho no caminho da virtude e da simplicidade do Evangelho de Jesus, para que o Arthur cresça um homem nobre e generoso - conforme o significado celta do seu nome – e honre o legado de sua estimada família.



Em breve chegará ao mundo mais um Arthur, filho de Damaris e Rafael, gente querida da caminhada, que mora no meu coração, de quem também fui padrinho de casamento. Já os avisto sinalizar essa mística contagiante.




segunda-feira, 17 de maio de 2010

Seleção do Dunga

Ao se fazer uma seleção de emprego, empregado, de casamento, do presidente da República ou dos jogadores que representarão o Brasil na Copa do Mundo, um bom selecionador não deve guiar somente por critérios técnicos. Ele deve sempre levá-los em consideração, tê-los como fatores decisivos quando a situação exigir, considerando-se os riscos e os prazos dos objetivos, mas jamais deve absolutizá-los.

Critérios técnicos devem ser pesados assim como outros critérios, a saber, comprometimento, confiança, personalidade e experiência. E nenhum desses critérios devem ser absolutizados, inclusive a coerência do selecionador. Numa seleção todo critério deve ser analisado em relação ao todo que se tem ou ao todo que se quer atingir. Nenhum critério deve ser analisado isoladamente. Digo isso porque entendo que para criticarmos ou elogiarmos devidamente o Dunga, por sua convocação, devemos compreender os seus critérios e sua lógica.

Dunga não é o técnico que eu gostaria que estivesse comandando a seleção. Quando o Parreira saiu torci para que o técnico fosse o Paulo Autuori. Também não me encanta a forma como a seleção joga. Mas não tenho nenhum problema em reconhecer os méritos do Dunga e que ele tem sido bem sucedido. Faturou a Copa América, a Copa das Confederações e as Eliminatórias. Nesta última se classificou há três rodadas do final. Em suma, sob o comando de Dunga, a seleção principal conquistou todos os títulos que disputou.

Dunga foi exitoso, também, em revalorizar o preço de uma convocação para a seleção brasileira, especialmente para os considerados “cadeiras cativas”, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho e Roberto Carlos. Mostrou que uma convocação não pode ser barateada para ninguém, mesmo para os ex-astros. Quando vi o Roberto Carlos, que foi considerado o símbolo do descomprometimento na última Copa - lembra dele ajeitando a meia no escanteio que resultou no gol da França contra o Brasil -, falando com aparente entusiasmo que queria ser convocado para a Copa, cheguei à conclusão que Dunga conseguiu tornar a seleção desejável para quem aparentemente não a desejava mais, por se achar bem mais desejável do que ela.

É lógico que essas conquistas pouco ou nada servirão de atenuantes se o Brasil fracassar na Copa. Pelo contrário, todas elas serão desvalorizadas. A era Lazaroni na seleção não é lembrada pela conquista da Copa América depois de 40 anos de jejum, mas pelo fiasco na Copa de 1990. A terceira passagem de Parreira na seleção não é lembrada pelas também conquistas da Copa América, Copa das Confederações e as Eliminatórias. Mesmo a memória do futebol exuberante apresentado na semifinal e na final da Copa das Confederações na Alemanha, em 1995, contra a anfitriã (3x2) e a Argentina (4x1), respectivamente, que despontou o autêntico “quadrado mágico”, formado Kaká, Ronaldinho Gaúcho, Adriano e Robinho, não aquele formado na Copa – lembre-se que a dupla de ataque foi formada por Ronaldo e Adriano –, sofreu obnubilação pelo fracasso ocorrido no ano seguinte, na Copa.

É bem verdade que na ocasião, Parreira, ao contrário de Dunga, modificou o time que tinha encantado em 2005 na Alemanha. Não só no ataque, mas também nas laterais. Cicinho e Gilberto, titulares na conquista da Copa das Confederações, foram para a reserva de Cafu e Roberto Carlos, respectivamente. Na época, Cicinho, estava no auge de sua carreira. Curiosamente no melhor jogo do Brasil naquela Copa, contra o Japão (4x1), eles foram titulares.

Dunga, a princípio, manterá nas “quatro linhas” o time que o tem garantido até aqui, com uma ou outra alteração. Acredita nos jogadores que convocou e aposta nas recuperações daqueles que estão freqüentemente na reserva em seus clubes como, Doni, Julio Baptista, Felipe Mello e Kléberson. Tem convicção do que faz. Porém, é preciso ele ter consciência que a convicção é fundamental para acertar, mas ela não é garantia contra o erro. A gente erra sem e com convicção.

Entendo que Dunga deve, sim, ser grato aos jogadores que nos pontos críticos de sua jornada, quando seu cargo este por um fio, reverteram o quadro desfavorável, especialmente Robinho, Julio Baptista e Luís Fabiano, mais do que Kaká. Deve, sim, considerar a estabilidade do grupo. Mas deve, também, entender que a seleção não é propriedade sua, que ele é um funcionário que precisa mostrar resultados e seu objetivo maior é a conquista da Copa do Mundo. Se a Copa não vier, a estabilidade se converterá em instabilidade. A mútua gratidão se converterá em mútuas cobranças e mágoas. Ninguém se engane disso.

Para mim os jogadores que Dunga convocou têm condições e potenciais para conquistar o hexacampeonato para o Brasil. Se a equipe mantiver o seu estilo de jogo é a grande favorita. Se apostasse, apostaria a maior parte dos recursos nela. Todavia, entendo que Dunga poderia diminuir os riscos inevitáveis de fracasso, inclusive parte de sua responsabilidade por sua eventual ocorrência, se revisse algumas convocações e se acreditasse mais no rico potencial que já se converte em trabalho primoroso do que temesse a inexperiência. Poderia dosar melhor seus critérios.

Por exemplo, que não levasse Neymar, mas levasse Paulo Henrique Ganso. Ganso é uma espécie que parecia ter sido extinta. Um meia que lê o jogo, arma, lança e avança ao ataque. É mais do que um armador e mais do que um meia-atacante. Tem qualidades que o Kaká não tem. E já deu provas de maturidade. Nas finais do Paulista foi o ponto de desequilíbrio e de equilíbrio do Santos. De desequilíbrio ao marcar e dar assistência para gols. E de equilíbrio no último jogo da final, quando o Santos perdia o jogo e estava com um e depois com dois jogadores a menos que o Santo André, que dependia de apenas mais um gol para se sagrar campeão. Ganso cadenciou o jogo e prendeu a bola no ataque garantindo o título santista.

Se Kaká, o único jogador criativo do meio-de-campo se contundir quem irá criar? Se o Brasil estiver atrás no placar, precisando atacar, que mais do que ele tem potencial do que ele para desequilibrar ou dar uma assistência. O Brasil na era Dunga teve muitas dificuldades quando precisou tomar iniciativa. Lembremo-nos dos empates em casa contra a Argentina, Bolívia e Venezuela. A equipe se saiu melhor quando jogou no contra-ataque, esperando a iniciativa do adversário.

Convocaria um goleiro experiente para a reserva de Julio César. Numa eventual contusão dele, Gomes e Doni, reserva de Julio Sérgio na Roma, não me inspiram confiança. Se o Rogério Ceni estivesse disposto a ir a mais uma Copa como reserva seria meu escolhido. No lugar de Thiago Silva levaria Miranda e no de Luisão, levaria seu irmão, Alex Silva. Discordo dos dois laterais-esquerdo. Levaria André Santos, que se saiu bem na Copa das Confederações, e Marcelo no lugar de Gilberto e Michel Bastos, que joga na ala direita e meia no Lyon. Aliás, tenho curiosidade em saber por que Dunga não os convocou mais. Levaria também o Hernandes. Embora quando convocado, especialmente nas Olimpíadas, não tenha correspondido à grande expectativa que gerou, e mesmo no São Paulo já tenha atuado melhor é um jogador que já comprovou ter uma qualidade acima da média É um volante que marca e sai com desenvoltura para o jogo, ajudando na armação, é habilidoso, tem um bom passe, chuta bem de fora da área e tem boa mobilidade. Qualidades juntas que nenhum volante da seleção tem. Apostaria nele porque acho é demais na seleção Gilberto Silva, Josué Felipe Mello e Kléberson juntos. Levaria Hernanes e Ganso no lugar dos dois últimos.

Também acho demais Julio Baptista, Ramires e Elano juntos. Muita gente pela direita. Levaria Ronaldinho Gaúcho, embora ele esteja longe de ser o astro que um dia já foi. Jogando o que tem jogado está acima desses. É um jogador que eventualmente ainda manifesta lances de gênio. Num jogo truncado seria uma alternativa ainda com um alto potencial de desequilíbrio, uma individualidade a se sobressair. Levaria ele no lugar do Ramires.

Concordo com Dunga em não levar o Ronaldo nem o Roberto Carlos. Se o objetivo é renovar a seleção não faz sentido levá-los. Também concordo em não levar o Adriano. Além dos constantes atos de indisciplina e de falta de comprometimento no Flamengo, sua fase técnica não é boa. Somado a isso tem a memória da última Copa quando foi um fiasco.

Enfim, ganhar ou perder faz parte do jogo. O Brasil já ganhou e perdeu jogando bonito e feio, mas nunca ganhou jogando mal. Uma coisa é perder ciente de que escolheu e fez o melhor que tinha e podia. Outra bem diferente é perder e tomar consciência de não ter usufruído o melhor que tinha e podia. Espero que Dunga esteja ciente de que escolheu o melhor para vencer.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Jesus Universal, Cristo Cósmico

Paulo, o apóstolo, ensina que há gente que não sabe quem foi Adão e Eva, a história da Arca de Noé e do dilúvio, que Abraão é o pai da fé, que Deus abriu o mar vermelho, por intermédio de Moisés, na fuga dos hebreus do Egito, quais são os dez mandamentos e as leis cerimoniais, nem quem foram os profetas, muito menos o que eles falaram, ou seja, gente que embora não conheça a letra, conhece o espírito, da Revelação. “De fato, quando os gentios, que não têm a Lei, praticam naturalmente o que ela ordena, tornam-se lei para si mesmos, embora não possuam a Lei; pois mostram que as exigências da Lei estão gravadas em seu coração. Disso dão testemunho também a sua consciência e os pensamentos deles, ora acusando-os, ora defendendo-os (Romanos 2.14,15, NVI)”.

Mas como essa gente veio a conhecer? Teria sido mediante uma prática meditativa, um sacrifício, um êxtase ou uma dedução filosófica? Pode ter sido por qualquer uma dessas formas ou por alguma outra forma escolhida por Deus para revelar a essência de sua mensagem, que transcende a todos os formatos teológicos e filosóficos, inclusive os fabricados pelo cristianismo. O certo é que gente que procurava a Deus - muitos sem ter consciência disto - que tateava para achá-Lo, não o encontrou, mas foi encontrado por Ele (Atos 17.16-31).

O mesmo Deus que permitiu que os povos andassem segundo suas inclinações culturais, suas tradições religiosas e filosóficas, e seus hábitos e suas superstições, não deixou de dar o seu testemunho (Atos 14.16,17). Ele deu seu testemunho na excelência da criação (Salmo 19) e na História. Assim como livrou os hebreus do Egito, libertou os filisteus de Caftor e os arameus sírios de Quir (Amós 9.7).

Tampouco deixou Deus de receber culto dos que o tinham como um Deus desconhecido (Atos 17.23). Àqueles que o adoravam conforme a letra, mas em espírito disforme, contrastou com os que o adoravam sem saber a letra, mas conforme o Espírito: “Ah, se um de vocês fechasse o templo! Assim ao menos não acenderiam o fogo do meu altar inutilmente. Não tenho prazer em vocês, diz o Senhor dos Exércitos, e não aceitarei as suas ofertas. Pois do oriente ao ocidente, grande é o meu nome entre as nações. Em toda parte incenso é queimado e ofertas puras são trazidas ao meu nome, porque grande é o meu nome entre as nações, diz o Senhor dos Exércitos (Malaquias 1.10,11)”.

Alguns alegam que a realidade descrita foi um fenômeno que se encerrou com vinda de Cristo. Que depois disto só pode ser salvo quem tiver conscientemente conhecido a Jesus Cristo, o recebido como o Salvador e sido batizado em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Estariam então condenados ao inferno milhões de pessoas que morrem sem ouvir falar de Jesus ou que ouviram somente as versões deturpadas Dele produzidas por algumas expressões do cristianismo? Ou será que as pessoas que morrem nessa condição, assim morrem por que não foram predestinadas para a salvação?

Creio que não! Aceitar a primeira hipótese seria limitar a ação do Espírito Santo ao alcance territorial missionário, à boa vontade dos cristãos de evangelizarem. Seria aceitar que os planos de Deus podem ser frustrados se a Igreja não adotar uma estratégia missionária eficaz.

Aceitar a segunda hipótese é incorrer numa visão reducionista e mecanicista da predestinação. É perceber Deus como se ele estivesse preso ao tempo. É afirmar que o NÃO de Deus é maior que o seu SIM, que sua ira é mais inclusiva do que sua graça.

Ora, Jesus é não um estepe que Deus colocou na roda da história porque a humanidade deixou furar o pneu. Jesus seria, então, na verdade um plano C, executado por Deus causa dos fracassos, do casal arquetípico – Adão e Eva –, em gerir o paraíso, e do povo hebreu em cumprir a Lei mosaica.

Creio, sim, que o Espírito sopra onde quer; que Ele não é delimitado por fronteiras religiosas, culturais, étnicas e políticas. Os magos do Oriente receberam a Revelação por intermédio de uma conjunção planetária (Mateus 2.1,2). Cornélio, chefe da guarda romana, um pagão, recebeu a Revelação através de anjo numa visão. A Revelação precedeu a informação. O Espírito foi assimilado antes do conhecimento da letra, trazido por Pedro (Atos 10). Fenômeno que tem se repetido ao longo da história (Leia “O Fator Melquisedeque”, de Don Richardson, Edições Vida Nova).

Creio, sim, que o Evangelho que é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê não é uma teoria, uma filosofia, uma ideologia, uma doutrina ou mesmo a Bíblia. O Evangelho é uma Pessoa, Jesus Cristo, que se revela espiritualmente, porque é o Salvador do mundo. Não passou a ser o Salvador depois que se encarnou, Ele sempre foi. O Cordeiro foi imolado antes da criação do mundo e é conhecido desde então (Apocalipse 13.8b; I Pedro 1.19, 20). Cristo era a rocha espiritual, da qual, os hebreus inconscientemente bebiam no deserto e que os acompanhava na travessia (I Coríntios 10.4). E que muita hoje tem bebido e caminhado ao lado, embora não tenha tido o conhecimento histórico de Jesus Cristo.

O Jesus que se revelou em carne e osso, como a imagem do Deus invisível, como expressão exata do ser de Deus, há mais de 2.000 anos, se revela espiritualmente como salvador desde que o mundo é mundo. E assim é, porque ele é sacerdote segundo a Ordem de Melquisedeque, não segundo a ordem de Judá, sua descendência física, porque era a tribo de Levi que tinha a exclusividade de fornecer sacerdotes, àqueles que intercediam pelo povo mediante o oferecimento de sacrifícios a Deus (Cf. Hebreus 7.14).

O sacerdócio de Jesus não está preso a uma linhagem sanguínea. Levi era filho de Jacó, o patriarca que teve 12 filhos dos quais originaram as 12 tribos hebraicas que, posteriormente, formaram o Reino de Israel; ou seja, os levitas podem ser rastreados na história. Já Melquisedeque, cujo nome significa “rei de justiça” e que era rei de Salém, que quer dizer “paz”, que era a antiga cidade de Jerusalém, não teve pai nem mãe, nem genealogia, nem princípio nem fim; isto é, seu dna não pode ser decodificado, todavia, feito semelhante ao Filho de Deus, é sacerdote desde a fundação do mundo e por toda a eternidade (cf, Hebreus 7.1-3).

Este Melquisedeque centenas de anos antes de Levi nascer foi ao encontro de Abraão com pão e vinho – alguma semelhança com o corpo e o sangue de Cristo? - e o abençoou, recebendo dele o dízimo (Gênesis 14.18). O autor da carta aos hebreus afirma: “Sem dúvida alguma, o inferior é abençoado pelo superior. No primeiro caso [sacerdócio levítico] quem recebe o dízimo são homens mortais; no outro caso [sacerdócio de Melquisedeque] é aquele de quem se declara que vive”. (Hebreus 7.7-8, colchetes meu). É por isso que Abraão nascido há milênios antes de Cristo o viu e se alegrou (Cf. João 8.56).

Sim, conhecer a letra é um privilégio. Ter a Revelação explícita, codificada, tornada Escritura, é uma bênção. Mas só será uma vantagem diante daqueles que a tiveram de forma enigmática, subentendida, nas entrelinhas, se a Escritura se tornar Palavra de Deus, se nos apropriarmos dela como fonte de conhecimento espiritual, se a lermos além da letra, se não desprezarmos o Espírito. Caso contrário, não há vantagem alguma, mas há, sim, um juízo especial: “A quem muito foi dado muito será exigido; e a quem muito foi confiado, muito mais será pedido Luca

terça-feira, 16 de março de 2010

Jesus nome sem poder

Para orarmos o “Pai Nosso” conforme Jesus ensinou aos seus discípulos, e não deformarmos o modelo de oração numa reza ou numa petição evangélica-pagã é preciso ter consciência de que o Pai não é meu ou seu, o Pai é nosso. E por ser nosso, Ele não intervém em favor de caprichos pessoais, de vaidades individuais, para saciar egos feridos ainda que o pedido seja feito em nome de Jesus. Mesmo porque, não há nenhum poder, nenhuma magia no nome de Jesus.

Historicamente o nome de Jesus – forma grega de Josué -, na cultura judaica da época, era tão comum como é na nossa cultura, José, João, Antonio. Em alguns manuscritos Jesus é o prenome de Barrabás, o ladrão que a multidão pediu que fosse solto em detrimento de Jesus: "A quem quereis que eu vos solte, a Jesus Barrabás ou a Jesus, chamado Cristo?", perguntou Pilatos. O escritor romano do século I, Flávio Josefo, se refere à cerca de 20 pessoas com o nome de Jesus.

Não há nada de exótico, chique ou cabalístico no nome de Jesus. Por isso, o poder não está no nome, o poder está na pessoa de Jesus, o Deus encarnado, o Verbo que virou gente e habitou entre nós, e ensinou que o Pai é nosso. Se o Pai é nosso porque alguém deveria achar que Ele deveria lhe favorecer no vestibular, num concurso público, numa seleção e numa promoção de emprego, se os seus concorrentes também são filhos Dele? Oraria eu no espírito do Evangelho reivindicando a fidelidade de Deus para pedir-Lhe em nome de Jesus carro zero e casa própria se a maioria das pessoas é transportada que nem gado nos transportes públicos, mora de aluguel e às vezes nem um teto tem para morar?

Se o Pai é nosso poderia não ser considerado pagão pedir a Deus que manipule resultados de futebol e da mega-sena? E como não poderia ser uma blasfêmia a oração do deputado distrital, Rubens César Brunelli, do PSC (Partido Social Cristão), que agradece a Deus pelo dinheiro da propina e pelo chefe do esquema, Durval Barbosa, então secretário de Relações Institucionais do governo do Distrito Federal, exonerado após a divulgação dos vídeos que o flagram comandando o esquema, a quem Brunelli atribui ser um instrumento de Deus? Ora se Durval é um instrumento de Deus significa então dizer que Deus é o instrumentista do esquema. A não ser que se considere que o dinheiro sujo é santificado quando empregado em esquemas religiosos em nome de Jesus. (http://www.youtube.com/watch?v=xuaRqvzX5jY)

Sim, é motivo de agradecimento a Deus passar no vestibular, conseguir um emprego, uma promoção, comprar uma casa, um carro, um sítio, um apartamento na praia etc., quando a conquista é fruto do nosso trabalho, não da nossa esperteza, abençoado por Deus. Mas se o Pai é nosso essas conquistas só serão bênçãos se elas canais de bênçãos para outras vidas, instrumentos de generosidade e fraternidade, porque esse é o propósito de Deus ao permitir uma colheita abundante de nossas sementes. Conforme diz Paulo, o apóstolo: “Aquele que supre a semente ao que semeia e o pão ao que come, também lhes suprirá e multiplicará a semente e fará crescer os frutos da sua justiça. Vocês serão enriquecidos de todas as formas, para que possam ser generosos em qualquer ocasião, e por nosso intermédio, a sua generosidade resulte em ação de graças a Deus”. (2º Coríntios 9.10-11).

Prosperidade financeira não é promessa de Deus para vida de seus filhos. Se assim não fora Jesus não teria dito que felizes são os pobres e que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus. Mas como a salvação não é uma possibilidade humana, mas um milagre divino ser próspero materialmente não será pecado, se o Pai Nosso e não o pai Mamon for o Senhor do próspero. E se o Senhor for o Pai Nosso o próspero terá consciência de que ele tem uma responsabilidade maior em promover o bem-estar das pessoas: “A quem muito foi dado, muito será exigido; e a quem muito foi confiado, muito mais será pedido”. (Lucas 12.48b).

Entretanto, apesar da responsabilidade maior seja dos que mais têm, todos são chamados a generosidade, porque Deus faz frutificar a semente de todos que buscam sabedoria para o plantio. Deus dá com boa vontade e liberalidade sabedoria a todos que pedirem (cf. Tiago 1.5), para que possam render ao máximo suas potencialidades e ganharem mais potências para convertê-las em mais trabalho, isto é, em mais frutos. (cf. parábola dos talentos, Mateus 25.14-30). Multiplicando, assim, a colheita para nós dividirmos, mesmo porque não conseguimos nada apenas com o nosso suor do nosso trabalho, mas também com o dos outros.

A generosidade mais freqüente entre os mais pobres mostra que eles têm mais consciência de que o Pai é Nosso, porque costumam dividir o pouco que tem sem medo de atolarem na pobreza, de ficarem desamparados. E assim fazem porque a prática lhes mostrou que o necessário não falta a quem é generoso, simplesmente porque o Pai é Nosso, não só meu, seu, dele ou dela.

Quem não tem essa consciência se entorpece na sua riqueza ou se atola na sua pobreza, se frustrando nas suas petições não atendidas, porque não pedem o Pão Nosso para o Pai Nosso, mas pedem, psicanaliticamente falando, pênis e vagina. Conforme denuncia Tiago: “Vocês cobiçam coisas, e não as têm; matam e invejam, mas não conseguem obter o que desejam. Vocês vivem a lutar e a fazer guerras. Não tem, porque não pedem. Quando pedem, não recebem, porque pedem por motivos errados, para gastar em seus prazeres”. (Tiago 4.2-3)

Evangélicos-pagãos podem pedir fama, poder e gloria pessoal em nome de Jesus, mas precisam saber que a pessoa de Jesus nunca prometeu, e que o único que prometeu foi aquele que disse a Jesus que daria tudo isso se ele prostrado o adorasse, a saber, o diabo, ou seja, o pai da mentira. Quem tem ouvidos para ouvir ouça.

Lula, Cuba e os Direitos Humanos

A bajulação dos companheiros Lula, Franklin Martins e Marco Aurélio Garcia aos irmãos Castro, os ditadores cubanos, Fidel e Raul, e o descaso com a morte do pedreiro Orlando Zapata, prisioneiro político cubano, condenado a 25 de prisão por se opor regime, que veio a falecer após 85 dias de greve, ilustra a política de dois pesos e duas medidas, de grande parte da esquerda latina americana, em relação aos direitos humanos e à democracia. Descaso que já havia se manifestado em 2003 com o fuzilamento de três dissidentes políticos e em 2007, quando o governo Lula entregou gentilmente através do despacho de Tarso Genro, os boxeadores cubanos que tinham se refugiado no Brasil após os jogos Pan-Americanos do Rio. Gentileza que ele não que prestar ao governo italiano entregando Cesare Battisti. Por uma razão clara, quando os assassinatos e seqüestros são feitos em nome da revolução vermelha eles são coroados de honra.

Há um ano quando o publisher da Folha de São Paulo, Otávio Frias Filho, publicou um editorial infeliz no qual chamou o regime militar brasileiro de “ditabranda”, embora tenha assim adjetivado em comparação com as ditaduras socialistas, a esquerda entrou em chilique, teve ataques histriônicos. Capitaneada por seus gurus, Maria Vitória Benevides, Fábio Konder Comparato e Antonio Cândido, fizeram barulho na mídia evacuando seus surtos de indignação. Reação compreensível já que para quem tomou soco na cara, no estômago, sofreu afogamento e estupro, ou teve um ente querido morto pouco importa se o caso foi um entre 300 ou um entre 300.000. A vida foi violada na sua dignidade, de forma covarde. Chamar de “ditabranda” o regime que provocou isso, mesmo que não tenha sido esta a intenção, soou como uma relativização ao sofrimento alheio, um desrespeito a sua sensibilidade.

Agora, o que não é compreensível é que não tenham tido surtos de indignação com o assessor especial da presidência, Marco Aurélio Garcia, que minimizou a morte de Zapata e se esquivou de denunciar a violação dos direitos humanos em Cuba, o que dizendo que há problemas de direitos humanos em todo mundo. Como não deduzir que suas palavras pedem a resignação dos dissidentes cubanos e dos opositores da ditadura castrista aos a violação dos direitos humanos na ilha. Por que, então, para ser coerente não manda seus camaradas de esquerda parar de protestar contra as torturas perpetradas pelo governo estadunidense nos prisioneiros da Base de Guantánamo em Cuba, já que há problemas de direitos humanos em todo mundo, inclusive na maior democracia? Cadê o protesto de Marilena Chauí, Emir Sader e Chico Buarque, dessa gente tão “sensível” aos direitos humanos?

Quando o então presidente hondurenho, Manuel Zelaya, foi deposto pelos militares, legitimados pela Constituição, porque começou a “arregaçar as mangas” para fazer sua “aventura bolivariana” à moda de Chávez e Morales, e se prolongar no poder, a mesma esquerda se levantou em protesto contra a violação da ordem democrática. A mesma ordem democrática que Fidel derrubou há 51 anos, e Chávez derruba gradualmente há 12 com a cumplicidade dela. O governo brasileiro, inclusive, hospedou o golpista na embaixada brasileira, que serviu de base a turma de Zelaya maquinar suas, felizmente, frustradas tentativas de retomar o poder.

Lula não reconhece até hoje a eleição democrática de Porfírio Lobo sob o pretexto de não estimular novos golpes a ordem democrática, como se fosse os militares hondurenhos e não Zelaya, seu camarada, o golpista. Por que Lula não aplica em Honduras aquilo que disse ter aprendido, quando indagado sobre seu silencio sobre as violações aos direitos humanos em Cuba, que não se deve “dar palpitas em outros países”? Por que ele só aplica isso em relação à Cuba, Venezuela e Irã e não em relação à Honduras, aos Estados Unidos e à Israel?

Ora, a razão é simples. Assim como a elite econômica brasileira, em sua maioria, apenas tolera Lula e o PT, mas tendo uma oportunidade de mandá-los não hesitará, apesar de ter sido muito bem tratada por ele, semelhantemente é a esquerda latina-americana, em sua maioria, em relação à democracia. Ela apenas tolera a democracia. Suporta conviver na democracia enquanto não tem crédito popular e condições concretas para destruí-la. Seu instinto autoritário não foi modificado, está contido. Manifesta-se periodicamente de forma sutil através de flertes sinuosos tipo, Conselho Nacional de Jornalismo e Programa Nacional de Direitos Humanos, para ver a reação do público, e saber se avança, recua ou disfarça. O máximo de democracia que um esquerdista revolucionário tolera é intrapartidária. Para quê democracia num governo que encarnaria a vontade do povo? Liberdade para expressar opinião contrária ao povo, que a história os vocacionou como os legítimos representantes?

O perigo maior, porém não está em Lula, esse é um carreirista, um camaleão. Um esquerdista autêntico, em privado, reconhece isso. O perigo está na esquerda ideológica e ressentida, viúva de Marx, que tem fantasias eróticas com Lênin, Trotsky e Che Guevara, que ficou em segundo plano em seu governo e agora vê na eleição de Dilma Roussef a possibilidade de sair da periferia para o centro do poder, de fazer a sua desforra, de saciar seus desejos burgueses recalcados. Que tem olhos para ver enxergue.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Lula, o Sociólogo

O Obama disse que Lula é o “cara”. Eu digo que Lula é o sociólogo. Isto mesmo sem aspas. Para quem diz que eu não reconheço as virtudes do presidente ex-operário – o que não é verdade – está aqui o meu reconhecimento público.

Lula, é sabido, não tem graduação superior, nem gosta de ler livros, mas entende mais de sociologia do proletariado do que a maioria de seus companheiros, teóricos e ideólogos de esquerda. Estes tinham a pretensão de usá-lo e guia-lo para saciar os seus desejos reprimidos pelo poder burguês, mas felizmente o processo se deu ao inverso, Lula os usou para saciar o seu desejo assumido pelo poder. E vou além, Lula entende mais do proletariado do que Karl Marx, o profeta e santo de devoção da esquerda, que jamais entrou numa fábrica. Inclusive recusou convite de seu companheiro e financiador, Friedrich Engels, para conhecê-la e sentir a realidade proletária. Achou que poderia conhecer a psicologia do operariado e fazer sociologia baseando-se em livros apenas.

A razão é simples, Lula foi metalúrgico e líder sindical, sua sociologia é do operário real, tal como ele é, não do operário ideal, conforme os sociólogos de gabinete acham que ele deveria ser. Ele sabe que, no geral, o proletariado não quer a revolução socialista, tampouco ficar discutindo textos do Marx, do Foucault e da Marilena Chauí. Ele quer é aumentar sua participação no sociedade capitalista, ou seja, ele quer encher o carrinho no supermercado, comprar eletrodomésticos modernos, ter um carro ao menos popular, freqüentar mais pizzaria, churrascaria e bares bacanas, poder viajar mais, se puder se hospedar num hotel e ir de avião melhor, e ter uma mulher bonita ou que se produza esteticamente o suficiente para poder fantasiar e gozar.

Lula sabe que o proletariado não suporta intelectual (ou pseudo-intelectual) metido a tutor e doutrinador. Que se acha instrutor de ignorantes e guia de cegos, que tem a presunção de achar que sabe mais do proletariado do que o próprio proletário.

E o proletariado é assim não porque é uma massa alienada na sociedade de consumo, produto do capitalismo, e sim porque a espécie humana ao longo de sua história evolutiva busca as formas de vida que maximizem o prazer e minimizem a dor, que proporcionam uma vida mais confortável.

Certa vez, em 1979, quando era líder sindical Lula aceitou o convite da Playboy para ir ao Gallery, na época uma das mais badaladas casas noturnas de São Paulo, símbolo da elite econômica paulistana, e lá saboreou whisky. Diante dos ataques disparados da direita à esquerda, Lula não titubeou, disse que queria que todo operário ganhasse o suficiente para freqüentar a Gallery. Uma ofensa às alas hipócritas e burguesas enrustidas da esquerda, que ficaram afetadas por ver aquele que supostamente encarnaria o messias do proletariado se alegrando num templo burguês. E também às alas da direita que bafejam preconceito ideológico diante das classes emergentes ainda e das elites nordestinas – até o Collor sofreu um pouco disso - , e usa isso para descaracterizar a luta dos trabalhadores empregados. Coisa típica de uma parte da elite econômica paulistana.

Noutra ocasião quando começaram a implicar com ele por ter passado a freqüentemente a usar terno, também não se fez de rogado. Disse que todo operário gostaria de andar bem vestido. E se ele pudesse andaria sempre bem vestido. Respondeu com liberdade e realismo, sem pudores.

Lula tem tido um governo de aprovação popular recorde, que reflete uma sensível melhora nas condições de vida das camadas sociais mais baixas e um aumento significativo da participação delas no mercado consumidor, pelo menos, a curto prazo, porque agiu com pragmatismo na economia. A despeito das pataqüadas que diz, do tipo “nunca antes neste país” e de dizer que recebeu uma “herança maldita” do governo FHC, na prática Lula fez uma progressão continuada da política econômica e ampliada da política social de seu antecessor.

O primeiro sinal disso foi dado com a publicação da “Carta ao povo brasileiro” na época da campanha presidencial, se comprometendo a manter as diretrizes econômicas do governo FHC. Mas a prova evidente viria quando já eleito convidou Henrique Meireles, um tucano, recém-eleito deputado federal, para presidir o Banco Central, o que ele faz até o momento. E a prova se reforçou quando ele blindou Antonio Palocci, no ministério da Fazenda, do “fogo amigo”, devido ter dado prosseguimento à política econômica dos tucanos.

E assim fez porque sabe que se o mérito do Plano Real na estabilização da economia, no controle da inflação. Sabe que as privatizações e a abertura, iniciadas no governo Collor e ampliadas no governo FHC, desoneraram o Estado, atraíram investimentos estrangeiros, modernizaram e dinamizaram a indústria, aumentaram a empregabilidade, a produção e, conseqüentemente, a arrecadação tributária, que permitiu um investimento maior nas políticas sociais em seu governo. Ou seja, ele se beneficia de medidas que o PT, quando oposição, se opôs histericamente.

É importante frisar que os serviços prestados pelo Estado são financiados pela população através dos impostos diretos e indiretos. A “caridade” que o governo faz é com o chapéu dos outros.

Não se trata aqui de dizer que Lula meramente deu continuidade a FHC – o que já seria meritório-, até porque em matéria de política administrativa, ele foi na contramão. Enquanto o tucano se esforçou para enxugar e profissionalizar a máquina estatal, o petista se esforçou para engordá-la, aparelhando-a partidariamente, o que a médio e longo prazo tende a trazer problemas na economia. Trata-se, sim, de reconhecer as notórias, inteligência política e sociologia aplicada, de Lula, sem as quais ela cairia na tentação de seguir os devaneios dos jurássicos da esquerda, e os brasileiros estariam fazendo “panelaço”, tomando “banho de gato” e limpando o bumbum com o “jornalzinho do PT”.

Lula não foi homenageado pelo Fórum de Davos por acaso.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Deus e o Haiti

Tragédias como o terremoto no Haiti já ocorreram milhares de vezes na história e continuarão a ocorrer. É claro que para as vítimas do Haiti e seus chegados foi a tragédia, o que requer nosso respeito e, se possível, uma solidariedade que vá além das palavras. Contudo, historicamente, foi só mais uma tragédia, que circunstancialmente tomamos conhecimento, ao contrário de tantas outras que acontecem e não tiram o nosso sono, não mudam a nossa rotina e nem interrompem o nosso prazer.

Em maior ou menor magnitude catástrofes acontecem todo dia. Uma catástrofe não se mede pelo número de vítimas. E acontecem não longe de nós. Por isso, aqueles que estão abalados com a tragédia haitiana, mas não podem ir até lá, porque fica muito longe, nem enviar recursos, podem ficar tranqüilos, não faltarão ocasiões para eles exercerem compaixão, seguindo o exemplo de Zilda Arns.

Algumas tragédias são evitáveis, outras não. Não sei até que ponto a tragédia no Haiti era evitável. Tragédias evitáveis não são evitadas por causa do atraso dos subdesenvolvidos, da ganância e do descaso dos desenvolvidos, e do cinismo daqueles que amam a humanidade, mas não suportam o seu próximo, por isso só se solidarizam com àqueles que estão distantes.

Tragédias poderiam ser evitadas se a extensa rede solidária que elas mobilizam se mobilizasse antes, para que elas não acontecessem ou pelo menos o impacto delas fosse menor.

Só sei que a tragédia expressa bem o caráter paradoxal da vida, ironiza e relativiza as lógicas e a coerência de que a razão quer enxergar nela e os idealismos românticos, p. ex, o da justa retribuição moral e de que a natureza é nossa amiga.

Deus é o maior exemplo de paradoxo da vida, é insolúvel e obscuro para a razão, mas solúvel e elucidador pela Fé. Eu creio que o Deus que inspirou Zilda Arns a sua vida às causas do Evangelho, de serviço aos pobres e miseráveis, e de defesa da vida – lembre-se que Zilda não transigia em relação ao aborto e muito criticada foi por isso -, que traduziu através da vida dela os ensinamentos de Jesus poderia ter impedido o terremoto, porque Ele não foi pego de surpresa. Poderia, inclusive, ter ressuscitado todos os mortos na tragédia, mas assim não quis.

Eu creio que o Deus que está e opera por intermédio dos médicos, bombeiros, enfermeiros e demais voluntários que estão servindo ao povo haitiano e que o consola através do seu Espírito é o mesmo que se alegra mutuamente na sua glória com tantos – quem sabe todos – que foram tragados pela terra com seu consentimento - já que Ele poderia ter violado às leis da física.

Eu creio que este Deus faz nascer o sol e cair a chuva e desabar torres sobre cristãos e pagãos, crentes e descrentes. É o Deus para quem as trevas e a luz são a mesma coisa. Quando não livra um filho da morte o promove para a vida eterna.

Este Deus não se explica, se crê. E quem crê sabe que Ele ama quando intervém e quando não intervém, embora nem sempre possa discernir o mistério - que só é mistério para a humanidade e não para Ele -, mas não deixa de crer porque confia que Ele sabe mais da vida, do amor e da justiça do que os poetas, os filósofos e os teólogos.

E porque confia nEle, mesmo quando não o sente, sua razão não o entende e sua alma fica perplexa com as catástrofe que Ele não interrompe, procura seguir a religião de Jesus, sua encarnação, fez e ensinou, isto é, “...cuidar dos órfãos e das viúvas em suas dificuldades e não se deixar corromper pelo mundo (Tiago 1.27)”. Segue com fé de que mesmo que as intenções para as boas obras não sejam boas, ou seja, sejam para suscitar aplausos por sua sensibilidade social, para se promover politicamente, para se autoproteger do flagelo humano ou para barganhar bênçãos com Deus, Ele é misericordioso para perdoá-lo e santificar suas obras ao chegar às mãos de quem precisa. E segue sem se intimidar pelo temor das tragédias e dos adversários que possam lhe atravessar o seu caminho, porque sabe que já passou da morte para a vida, e sua esperança em Cristo não se limita a sua existência temporal.

Quem pensa que é mais justo do que Deus e que sua capacidade de amar é maior, que o chame para um debate, quem sabe poderá convencê-lo de que pode ser um gestor cósmico melhor se ouvir suas orientações.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Escritura Sagrada e Palavra de Deus

Ao ler vários trechos de algumas obras do teólogo e pastor reformado Karl Barth (1886 – 1968), natural da Basiléia, Suíça, em especial “Carta aos Romanos” - um comentário sobre a epístola do apóstolo Paulo a comunidade cristã de Roma - e algumas apreciações de sua teologia como um todo, fui atraído pela concretude de sua cristologia.

É oportuno lembrar preliminarmente que Barth viveu numa época em que a secularização já estava num estágio avançado na Europa Ocidental, em especial nos países de predominância da vertente protestante do Cristianismo, como a Suíça, a Holanda e a Inglaterra, além da Alemanha, onde os índices do protestantismo e o catolicismo são bem equilibrados. O liberalismo teológico já estava impregnado nas faculdades, nos seminários e nas igrejas cristãs, hegemonicamente nas protestantes. A Bíblia já havia sido dessacralizada, submetida à crítica literária, os fenômenos miraculosos relatados por ela foram desmistificados, atribuídos à mente primitiva, pré-científica; a razão foi erguida e a fé subordinada a ela no conhecimento bíblico.
Graduado na tradição liberal Barth começou a desacredita-la durante o seu ministério pastoral, quando começou a perceber que a erudição teológica liberal, com suas dissertações críticas sobre o relato bíblico, seu humanismo demasiado e seu otimismo no progresso da humanidade por suas próprias virtudes, era ineficaz para saciar a fome espiritual dos fiéis. Eles requeriam uma palavra que atendesse suas demandas existenciais, que os confortasse e desse alento em seus problemas psíquicos e sociais.

O descrédito no liberalismo teológico foi consumado durante a Primeira Guerra Mundial (1914 - 1918). Barth se decepcionou profundamente com o apoio declarado de professores seus, à política de guerra do Kaiser, em 1914, o imperador alemão Guilherme II. A carnificina da guerra pulverizou em Barth a crença que restava no progresso da humanidade.

Felizmente o fruto do desapontamento foi o (re) enlace de Barth com a Bíblia, como Escritura Sagrada, que gerou sua teologia da Palavra de Deus, a saber, de Jesus Cristo. Barth diferencia Escritura Sagrada – Bíblia - de Palavra Deus. A primeira contém, mas não esgota a segunda, que a extrapola. A Palavra de Deus é sujeito – Jesus Cristo -, que se revela, fala e confronta; não é um objeto – Escritura Sagrada - que pode ser controlado e ser dissecado. Pelo contrário, é ele que controla e disseca: “Porque a Palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até o ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração”. (Hebreus 4.12)

A Palavra de Deus, segundo Barth, assume três formas indissociáveis:

1. Revelação: compreende toda a história da humanidade, que é a história da salvação, cujo ápice é a encarnação de Deus, a manifestação visível de sua Palavra - Jesus Cristo. O Antigo Testamento aponta para sua vinda e o Novo Testamento a recorda e sinaliza sua volta. Em Jesus Cristo Deus concede a humanidade, a chave que abre as portas para a compreensão do passado e do futuro.

2. Bíblia: é o testemunho humano sobre a Revelação. Por ser humano é sujeito a condicionamentos sócio-históricos, na apreensão e na descrição dela. É Palavra de Deus na medida que Deus fala por seu intermédio.

3. Pregação: é o testemunho da Igreja acerca da Revelação, abrange a teologia e os sacramentos (batismo e eucaristia). Seu padrão de referência é o testemunho escrito da Revelação – a Bíblia – compreendida a luz de Jesus Cristo. Toda filosofia empregada na sua estruturação e transmissão tem como condição sine qua nom a subordinação à Escritura Sagrada e esta a Jesus Cristo.

Com Barth aprendemos de forma nítida que toda teologia por melhor sistematizada e mais sofisticada que seja, que não tenha Jesus Cristo como ponto de partida e ponto de chegada, não passará de uma abstração estéril no conhecimento da Revelação. Pode até incitar “masturbação mental” nos “intelectuais da fé” e arroubo na massa religiosa, todavia pouco nos aproximará da Palavra de Deus. A doutrina da Trindade não passará de fórmula metafísica se não compreendemos o Deus acima de nós – Pai – e o Deus com nós – o Espírito Santo – tendo como paradigma Jesus Cristo. “Ele [Deus Filho], que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser [Deus Pai” (Hebreus 1.3)...

Aquarela, Toquinho, Stênio e a Fé

Toquinho canta em Aquarela, música de sua autoria: E o futuro é uma astronave/Que tentamos pilotar/Não tem tempo, nem piedade/Nem tem hora de chegar/Sem pedir licença/Muda a nossa vida/E depois convida/A rir ou chorar.../Nessa estrada não nos cabe/Conhecer ou ver o que virá/O fim dela ninguém sabe/Bem ao certo onde vai dar/Vamos todos/Numa linda passarela/De uma aquarela/Que um dia enfim/Descolorirá...
(Cf.: http://www.youtube.com/watch?v=IG1ZU56tsdo&feature=related)

Este trecho retrata com realismo poético a dinâmica da nossa existência, cheia de relatividades e contradições, vista dentro de uma perspectiva humana. Façamos o exercício de rememorar os últimos finais de ano, pelo menos os últinos três, os balanços que fizemos dos anos correntes, os saldo que eles tiveram para nós, positivo ou negativo, as expectativas e planos que tinhamos para o ano seguinte, as estratégias que elaboramos para alcançá-los. Depois, comparemos com o que de fato aconteceu no ano seguinte. O que se confirmou, o que foi relativizado e o que foi descartado. As surpresas agradáveis e desagradáveis que tivemos.

Veremos, então, que muitas coisas que eram certas para nós se tornaram incertas - isto para o bem ou para o mal; que o que aconteceu de certo ou de errado, era algumas vezes relativamente previsível outras não. Os ganhos que tivemos nem sempre foram frutos do nosso trabalho, de nosso planejamento estratégico. Mesmo aqueles que foram, tiveram a participação direta e indireta de outros, sem as quais não seria possível colher os frutos. Colhemos também frutos que não plantamos, e nem capinamos, adubamos e regamos a terra em que eles nasceram. Em relação as perdas também, algumas delas não foram consequências de imprudências e impéricias nossas, de erros estratégicos. Muitas vezes fizemos o melhor que podíamos, seguimos conselhos especializados, fizemos conforme o script, mas os resultados não apareceram. Enquanto outras perdas poderiam ser previstas e evitadas, se ouvíssemos e pensássemos mais.

O imponderável é um fator presente nas vitórias e nas derrotas. Ele é imponderável, não apenas porque nossa consciência tem um alcance limitado, mas também porque o mundo é infinito e está em constante transformação. E os fatores de transformação não são todos vísiveis. O mundo que é, é maior do que aquele que vemos.

Então planejar é relativo? Sim, mas não descartável. Jesus ensinou que se alguém quer construir um torre deve, antes, calcular para ver se tem os recursos para concluí-la, isto é, antes de fazermos um investimento, inclusive os amorosos, devemos saber se temos como bancar até o fim. Ensinou que devemos construir nossa casa sobre a rocha, porque se construirmos sobre a areia, quando a tempestade vier ela será levada pela correnteza. Ou seja, há tempestade que inevitavelmente vêm, independente do que fazemos ou deixemos de fazer, por isso estejamos sobre a rocha para não sermos arrastados e arrasados por ela.

Jesus claramente ensina que há uma certa correlação entre aquilo que é semeado e aquilo que é colhido, como também há coisas que simplesmente acontecem porque tinham que acontecer.

Caso alguém tenha dúvida da lei da semeadura, viva desordenadamente, sem planejamento algum, seguindo unicamente o seu faro e compare os resultados, a médio e longo prazo, com a vida daquele que planeja, que toma decisões ponderadas e calculadas, que não se orienta apenas pelo instinto e pela intuição.

Por outro lado, nada é garantia de nada se os olhos estiverem focados apenas na temporalidade. Deus não tem compromisso com nossos sonhos e nossos projetos, muito menos com nossa justiça própria. Ele tem compromisso, sim, com o amor que Ele se comprometeu a nos amar, que se pode ser compreendido pela fé. E se formos só um pouquinho intleigente já podemos saber que Ele sabe mais da vida do que a gente.

Por que? Porque o futuro, a astronave que tentamos pilotar, fazendo valer nossa liberdade, não tem tempo, nem piedade. Não avisa quando começa, quando termina, quando recomeça e quando acaba de vez a viagem. Nem tem hora certa para chegar, nem garante se vai chegar, ainda que a gente tenha a ilusão que esteja no controle dela. Não pedi licença para mudar o rumo e o roteiro da viagem. E ao mudar simplesmente nos convida a sorrir ou a chorar. É o que podemos fazer.

Na estrada da vida a gente não sabe ao certo para onde vai, nem como a gente vai chegar lá, aonde a gente não sabe. Não sabemos o que nos espera na próxima curva. Nessa estrada não nos cabe/Conhecer ou ver o que virá/O fim dela ninguém sabe/Bem ao certo onde vai dar.

A gente sabe, ou pelo menos deveria saber, que nossa vida, independente da performance na passarela e da beleza da aquarela, um dia descolorirá. Vamos todos/Numa linda passarela/De uma aquarela/Que um dia enfim/Descolorirá...Àqueles, porém, que tem uma consciência ampliada da Palavra de Deus, pela fé sabem que não sabem como será a viagem, qual o percurso, as estradas que percorrerão e o tempo de duração, mas sabem com quem viajam, Jesus Cristo. Sabem que suas vidas estão ocultas com ele para o que der e vier. E, por isso, estão certos que quando o temporal se descolorir, as cores vivas da eternidade serão impressas em suas vidas. Saberão, então, o significado das relatividades e contradições da tempo, verão o desenho de sua existência pelo lado certo. Conforme Stenio Marcius em O Tapeceiro: Se você olha do avesso/Nem imagina o desfecho/No fim das contas/Tudo se explica/Tudo se encaixa/Tudo coopera pro meu bem/Quando se vê pelo lado certo/Muda-se logo a expressão do rosto/Obra de arte pra honra e glória/Do Tapeceiro/Quando se vê pelo lado certo/Todas as cores da minha vida/Dignificam a Jesus Cristo/O Tapeceiro. (Cf.: http://www.youtube.com/watch?v=CcfKTXtkC-I)

Digo isso porque não sabemos como será 2010. O que virá, o que partirá e se repartirá, o que partirá e nunca mais vai voltar, o que retornará. Os amores e as amizades que virão, que irão embora ou que regresserão. Provavelmente teremos ambos movimentos. Se o emprego esperado virá, se aparecerá uma proposta inesperada de trabalho ou se o desemprego nos assaltará. Não sabemos nem podemos garantir que tragédias não ocorrerão. Nem que novas paixões arrebatarão os nossos corações. Não adianta bater na madeira, fazer figa, dizer “tá amarrado em nome de Jesus”, se benzer, toamr banho de sal grosso e buscar ou pagar “cobertura espiritual” evangélica.

Adianta exercitar a Fé e saber que podemos todas as coisas naquele que nos fortalece – Jesus Cristo. E podemos porque para Deus, simplesmente, as trevas e a luz são iguais, noite brilha como o dia.

Quem em 2010 esta certeza possa estar cada vez mais certa em nós!

Pobre demo

O DEM (Democratas), o nem um pouco antigo PFL (Partido da Frente Liberal), nasceu de uma dissidência no PDS (Partido Democrático Social), antiga ARENA (Aliança Renovadora Nacional), partido que deu sustentação ao regime militar, e atual PP (Partido Progressista), de Paulo Maluf, Severino Cavalcanti, José Janene e cia., integrante da base lulista. O motivo foi a vitória de Paulo Maluf na convenção do PDS que elegeu o candidato que enfrentaria Tancredo Neves, do PMDB, na disputa presidencial indireta em 1985. Apoiadores do candidato derrotado Mario Andreazza, ex-ministro do Transporte, nos governos Costa e Silva e Médici, capitaneados por Antonio Carlos Magalhães, José Sarney, Aureliano Chaves, vice de Figueiredo, e Marco Maciel saíram do partido, formaram a “frente liberal” e se aliaram a candidatura oposicionista.

Sarney ocupou a vice na chapa de Tancredo, e com a morte deste a presidência caiu no seu colo. Por ironia do destino um filhote abastado da ditadura foi o primeiro presidente civil depois de 25 anos do regime, quem encaminhou a transição democrática, com ACM no ministério das Comunicações, Aureliano Chaves no das Minas e Energia, Marco Maciel no da Educação e depois na Casa Civil.

De Sarney a Fernando Henrique o PFL esteve no centro do poder, e foi o principal aliado. No governo tucano ocupou a vice-presidência com Marco Maciel. Com a vitória de Lula foi forçado a mudar de habito, trocar de papel, ser oposição, o que nestes quase oito anos de lulismo, a semelhança de seu parceiro, o PSDB, não conseguiu fazer bem feito. Ora representa de modo insosso, ora de modo patético.

Além disso, o DEM tem sofrido tem uma desidratação crônica. Em 1998 sua bancada na câmara e no senado era composta de respectivamente de 105 e 20 integrantes. Atualmente é de 55 e 13. Em 1998 elegeu seis governadores, já em 2006 apenas um. E para complicar ainda mais o seu quadro clínico, o único governador , José Roberto Arruda, do Distrito Federal, que até 15 dias atrás era sua principal vitrine e uma forte moeda de barganha política, para faturar a vice de Serra ou Aécio, dado seu governo ter mais de 70% de aprovação, foi pego com “as mãos na lama”, envolvido até “o pescoço” com o mensalão dos demos e associados brasilienses.
Para mim há pelo menos quatro causas que ajudam a compreender o quadro degenerativo do DEM.

1. Contradição genética: quem fecundou o partido, teoricamente liberal, defensor de uma economia de mercado com regulação mínima do Estado, pró-privatizações, foram caciques patrimonialistas, coronéis semi-capitalistas, que se enriqueceram com o sucateamento do Estado, usando o espaço público para fazer seus negócios e explorando os pobres por meio da política do “pão e circo”.
Esta contradição encontra paralelo no regime militar brasileiro, que apesar de ser uma ditadura de direita, criou mais de uma centena de estatais, principalmente no governo Geisel;

2. Desenraizamento popular: o partido não tem um lastro social, não tem uma faixa do eleitorado com alto grau de fidelização, não consegue vender suas idéias no atacado. O PT tem uma forte inserção no funcionalismo público, no sindicalismo, no movimento estudantil e em setores da intelectualidade e do meio artístico. O PSDB tem em outros setores da intelectualidade e do meio artístico, nas classes médias, tecnocrata e ilustrada, e nos grandes veículos da mídia. O PV tem entre os ambientalistas. Mesmos os partidos nanicos a esquerda do PT, PSOL, PC do B e PSTU, embora raquíticos eleitoralmente, controlam boa parte das faixas em que o PT é hegemônico, além de terem militâncias aguerridas e missionárias
O empresariado, que em tese poderia ser um setor simpático ao DEM, pela bandeiras da redução dos impostos, é pouco articulado politicamente, tem uma visão sistêmica precária, e tem uma tendência economicista, isto é, vota em quem oferece melhores condições para seus negócios lucrarem, os referenciais políticos e partidários ficam em segundo plano, isto quando são considerados.
O DEM precisaria convencê-los de que os altos lucros que grande parte do setor tem tido no governo Lula seriam ainda maiores se suas idéias fossem implantadas. Precisaria persuadir os banqueiros de que o recorde nos lucros que eles tiveram no lulismo seria quebrado quando os demos voltassem ao governo. Não é a toa que há setores do empresariado que preferem a Dilma, ex-guerrilheira marxista-leninista ao Serra;

3. Falta de líderes carismáticos: Pode-se alegar, com razão, que o PMDB numericamente o partido mais forte, também não tem uma faixa social fidelizada, e mesmo assim é o maior cotista no mercado político. Todavia, o PMDB tem líderes de grande projeção regional, que gostemos ou não, controlam amplas faixas do eleitorado, como José Sarney, Jader Barbalho, Jarbas Vasconcelos, Roberto Requião, Iris Rezende, Pedro Simon e Sérgio Cabral que agregam capital ao partido. Além do que, seu amplo pluralismo permite que se alie no todo ou em partes a quem estiver no poder;

A liderança mais expressiva do DEM, ACM, que ainda era muito forte na Bahia, faleceu no ano da “refundação” do partido. O ex-prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, na sua terceira administração, minou sua projeção local e implodiu seu eventual potencial para se projetar nacionalmente. O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, foi uma surpresa, um ganho inesperado para o partido, levando-se em conta que o partido era inexpressivo na maior cidade e no terceiro maior orçamento do país. Todavia, embora seu governo, a meu ver, seja mediano com oscilações positivas em algumas áreas e negativas em outras, seu perfil tecnocrático aliado ao fato de que ainda é um satélite do Serra, permite a sigla no máximo vislumbrar, com muito custo, vôos estaduais.

É preciso uma refundação de fato, não de direito, se o DEM não quiser morrer de inanição, e ser o que nunca foi, uma alternativa conservadora autêntica, uma direita respeitável.

Segundas e reais intenções

Uma estratégia relativamente eficaz para esvaziar uma denúncia é por em xeque a idoneidade do denunciante. Assim como para fugir de responder objetivamente a uma crítica e ter ameaçada a segurança intelectual e emocional, é desqualificar o crítico, levantar suspeitas sobre suas reais intenções.

Os políticos usam recorrentemente esse expediente. Quando Pedro Collor denunciou a participação do irmão, o então presidente, Fernando Collor, num esquema de corrupção capitaneado por PC Farias, a tropa de choque collorida o acusou de agir movido uma inveja doentia do irmão e de estar com problemas psiquiátricos. E ainda indagou ironicamente aos opositores se eles comprariam um carro usado por Pedro. Quando o então motorista de Collor, Eriberto França, foi a CPI confirmar os depósitos que PC fazia na conta da secretária particular do presidente, Ana Acioli, o então deputado governista Roberto Jefferson, indagou se ele agia apenas por patriotismo, insinuando claramente que ele estava sendo bem pago para isso. O motorista oportunista respondeu ao deputado se ele achava pouco.

Catorze anos depois Francenildo, o caseiro de uma mansão em Brasília que denunciou que o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci freqüentava o local na companhia de seus ex-assessores na prefeitura de Ribeirão Preto e de empresários que participavam juntos com ele de um esquema de cobrança de propina, teve o seu sigilo bancário quebrado ilegalmente. A quebra foi uma tentativa evidente de desmoralizar o depoimento do caseiro, tentando provar que ele agia conforme o Roberto Jefferson achava que o Eriberto agia.

Recentemente o ex-presidente Fernando Henrique escreveu um artigo “Para onde vamos?” no qual (des) qualifica o presidente Lula de “DNA do autoritarismo”, acusando-o de “minar o espírito da democracia constitucional”. Lula não rebateu ao conteúdo do texto apenas disse que FHC é um “poço de mágoa”. Em outras palavras, eu não vou perder tempo em rebater a crítica, trata-se apenas de uma peça fabricada por um coração ressentido.

Desde sexta-feira a mídia tem veiculado vídeos e áudios coletados pela Polícia Federal, através da Operação Caixa de Pandora, que mostram o governador do Distrito Federal, recebendo maços de dinheiro extorquido de empresas fornecedoras do Estado para o pagamento de sua base aliada. Os documentos remontam à época que ele era deputado federal e candidato a governador pelo PFL, atual DEM. O senador potiguar e correligionário de Arruda, José Agripino, deu uma resposta que não saiu da linha. Disse que achava estranho que as denúncias viessem à tona em ano pré-eleitoral.

Interessa-me, sim, saber se Pedro Collor tinha inveja do irmão e se só o denunciou por que teve os seus negócios jornalísticos ameaçados pela concorrência de PC. Se Eriberto e Francenildo receberam dinheiro para depor, embora nada justifique uma quebra de sigilo ilegal. Se o FHC é um poço de mágoa e tem inveja de Lula. Eu particularmente acho que o Lula tem uma certa razão. Conquanto, eu tenha uma leve preferência administrativa no todo por FHC, considero Lula bem mais inteligente politicamente do que ele. A altíssima popularidade de Lula, para mim, surpreendeu, incomoda e desperta os baixos instintos do vaidoso tucano. E também me interessa saber se é por acaso que a denúncia contra Arruda veio a luz em ano pré-eleitoral e se não há seletividade partidária no rigor da Polícia Federal.

Considero relevante, sim, saber as segundas e reais intenções de uma crítica e de uma denúncia. O que a motivou e a serviço de quem estão. A política é um jogo maroto e rasteiro, em que, via de regra, seus atores, da direita à esquerda, não são movidos por fome e sede de justiça, mas por fome e sede de poder e glória, e atuam segundo a máxima, “aos amigos tudo, aos inimigos a lei”. Fazer esses questionamentos é vital para não tornar críticos e denunciantes em heróis e exemplos de moralidade e de patriotismo, como se costuma fazer no Brasil. O Roberto Jefferson, por exemplo, em 2005, no auge da crise do mensalão, foi tratado por muita gente como um herói nacional, exemplo de coragem.

Muitas vezes o denunciador tem uma ficha criminal mais extensa que o denunciado, e quem critica, faz uma crítica que não tem autoridade moral de fazer, que serve mais a ele. Este é o problema de grande parte da oposição ao governo federal e razão da sua relevância e de seu crédito baixos para o povo.

Todavia, segundas e reais intenções, não devem ser usadas para impedir investigações e pré-absolver ninguém, nem para desconsiderar uma crítica. O que verdade é verdade, e o que é mentira é mentira, independente da boca de quem profere. Segundas e reais intenções devem ser usadas para mostrar as coisas como elas são, de que existem muitas trevas e pouca luz, para não nos enganarmos com simplificações maniqueístas e conspiratórias, mas não para distorcer a verdade. Paciência, a verdade é por nós e contra nós, entrega a todos, embora nem todos queiram se entregar a ela, e aqui se inclui demos, tucanos, peemedebistas, estrelas vermelhas e seus satélites.

Carisma, biografia e êxitos administrativos não podem servir de álibis para ninguém. Que a Justiça julgue com objetividade e imparcialidade, e a população faça o julgamento político nas urnas, ciente que não há nada tão ruim que não possa ser piorado.

Meditar e orar faz bem

A medicina ocidental tem descoberto nos seus laboratórios, por intermédio de seu típico método experimental, respaldado em resultados verificáveis e quantificáveis, àquilo que os orientais já sabiam via intuição há pelo menos 2,5 milênios: meditar e orar faz bem pra saúde.

Pesquisa comparativas feitas entre monges budistas e freiras comprovaram que o hábito de meditar ou de orar e rezar reduz a produção de adrenalina e cortisol, os hormônios responsáveis pelo estresse, o que reduz a pressão arterial, regulariza os batimentos cardíacos e evita o acúmulo de gorduras nas artérias, prevenindo desta maneira a ocorrência de doenças coronárias. Já as ondas cerebrais, alfa e beta, associadas à sensação de relaxamento aumentam assim como a produção de serotonina, o neurotransmissor responsável pela regulação do sono, do humor e do apetite, e de endorfina (endo, interno + morfina, analgésico), o neurotransmissor encarregado de aliviar a dor.

Os mais disciplinados e fervorosos tem a atividade do seu lobo temporal, a região cerebral responsável pelo senso de orientação, pela percepção do tempo e do espaço, e pelo senso de individualidade, diminuída progressivamente até cessar nos momentos de pico. Mas, paralela e inversamente a isso a atividade do sistema límbico, o “cérebro emocional”, responsável pela memória e pelas respostas afetivas é aumentada. O efeito desses movimentos contraditórios é a expansão da consciência, que produz a sensação de união com o universo e o êxtase.

Para aqueles que precisam da autenticidade científica para dar valor a uma prática, agora podem meditar, rezar ou orar, mesmo porque o que importa no rito ou na técnica, como os ocidentais preferem, é ter um foco bem definido para disciplinar a mente. O foco pode ser a inspiração e a respiração, um som, uma imagem, uma paisagem, uma música, um mantra ou qualquer outro estímulo visual, sonoro ou tátil que facilite a concentração, a instrospecção e a reflexão.

O problema que vejo na importação de práticas orientais pelo Ocidente materialista é o uso pragmático que se faz delas. Isto é problemático porque o rito ou método terapêutico não nasceu num laboratório científico, nem tiveram uma composição neutra, mão como desdobramento de um sistema de crenças, ligados a uma teoria ou teologia, enraizados num padrão cultural.

Embora haja semelhanças nos procedimentos e no efeito que eles produzem, um estudo comparativo das religiões mostra isso - e, diga-se de passagem, há diferentes formas de entender as semelhanças -, ao transportá-los para uma outra cultura é necessário que se faça devidas adaptações. E para isso não é simplesmente ou necessariamente laicizar a prática, isto é, expurgá-la de seus traços religiosos, mas requer também rever – não negar nem subordinar - a nossa percepção do mundo, a nossa teologia ou nossa teoria sob risco de desvirtuamento do método.

A percepção média do oriental é global e do ocidental é compartimentada. O oriental médio entende a dor e o sofrimento como fenômenos que fazem parte da naturalidade da vida, que devem ser refletidos, e encarados, porque são vitais para o nosso amadurecimento. O ocidental médio os entende como “estraga-prazeres”, como obstáculos à felicidade, aos quais na medida do possível deve se fugir ou combatê-los artificial ou ilusoriamente.

Por que ressalto isso? Porque o ocidental tende a cair na ilusão de que a meditação ou alguma prática congênere, se bem efetuada, é um método natural que blindagem da dor e do sofrimento. E na imprudência de meditar para ter sensações psicodélicas e experiências surreais. Se muita gente faz isso com as drogas naturais e sintéticas, porque não o faz com a meditação.

É bom lembrar que um dos objetivos da meditação é a limpeza da mente, e nesse processo inevitavelmente há contato com memórias dolorosas que evocam sentimentos e emoções poluídas que “assombram a casa”, que se não está edificada sobre a rocha, sua estrutura se abala, seus “moradores” ficam desesperados e “saem correndo”, isto quando não surtam.

Sou simpático à meditação, como a acupuntura, a ioga e a aromaterapia. Embora pratique a meditação – a meu modo – menos do que gostaria de praticar, por indisciplina minha, comprovo seus benefícios, a sua salubridade, assim como os da acupuntura, bem antes de saber da chancela da medicina ocidental.

Em relação à espiritualidade cristã creio que a meditação pode ser um instrumento facilitador de autoconhecimento e de ampliação da consciência para uma apreensão maior do conhecimento revelado por Deus em Cristo. Os exercícios espirituais requerem disciplina, o que não tem nada a ver com autopunição, mas tudo a ver com o condicionamento para uma vida mais saudável.

Todavia, o cristão deve saber que ele é chamado a viver pela fé, entre outras razões porque sua sensibilidade é um radar falível para detectar a Palavra de Deus e porque a Palavra de Deus não produz necessariamente alterações químicas e fisiológicas no organismo. Deus fala e escuta mesmo quando a gente não geme, fica com as emoções “a flor da pele”, com o “coração aquecido” ou é tomado por alguma outra emoção arrebatadora ou quando tem uma crise nervosa. Creio, aliás, que na maioria das vezes Ele não fala e nem escuta assim. E o que certifica isso é a fé, não nossos órgãos dos sentidos.

Por fim, o cristão deve estar ciente também que não há vias naturais ou artificiais de acesso a Deus, que relativizem a mediação de Cristo ou que substitua a Graça. Isto porque diferentemente da compreensão budista a resposta para os problemas do ser humano não está nele, nem nele a capacidade para purificar mente, tampouco o luminoso está no centro da sua individualidade. A resposta está sim na ação graciosa e misericordiosa de Deus através de sua Palavra, a saber, Jesus Cristo, que vai ao encontro do ser humano, quando este busca ou pensa que foge de sua presença, e lhe comunica que a sua vida foi purificada na cruz.

Entidades autônomas

Na última apresentação do querido e exímio músico Stênio Marcius, na Estação Vila Mariana, do Caminho da Graça, pedi a ele que cantasse “O Sonho” (cf. http://www.youtube.com/watch?v=7NjBc7G3i9E) - uma das musicas dele preferida por mim -, e comentei que está música é a preferida daqueles que tenho mostrado o trabalho dele. E ele respondeu que as músicas se tornam entidades autônomas, “deixam” de ser propriedades do autor. Contra-argumentei que era relativo porque as músicas nascem das profundezas da alma do autor, tem o seu dna. Minha réplica foi no sentindo da importância de não desconsiderarmos a importância do autor, e interpretarmos a letra ao bel-prazer do ouvinte. Mas ele sabiamente treplicou que embora isso fosse verdade, as músicas chegam uma hora que extrapolam o sentido dado pelo autor.

Pensei rápido e concordei com ele. Para o bem ou para o mal, esta é a verdade, uma mesma semente pode produzir diferentes frutos a depender do estado do solo em que ela vai ser lançada. Frequentemente minha alma é irrigada de beleza, meu coração é nutrido de luminosidade espiritual e minha consciência no Evangelho é ampliada por intermédio de músicas de autores que, até onde eu saiba, não partilham a mesma Fé que a minha e aparentemente não tiveram a intenção de produzir o efeito que em mim produziu, mas “paradoxalmente” por intermédio de suas letra eles produziram efeitos do Evangelho no meu ser. E creio que é assim porque, “Toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança (Tiago 1.17)”. Isto independentemente do portador da boa dádiva crer nisso.

Braulia Ribeiro, missionária da Jocum (Jovens com uma Missão) Bque gosta de tocar “Índio”, do Caetano Veloso, e “Maria, Maria”, do Milton Nascimento, nos congressos em que prega, conta que num encontro nacional desta missão enquanto à equipe de louvor tocava - a seu pedido - para adorar a Deus com intimidade, “Velha Infância” (cf.http://www.youtube.com/watch?v=MYssCy_8J3I&feature=relate), dos Tribalistas, composta por Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte, um espírito doce e especialmente terno envolveu o ambiente, e encheu a boca e o coração dos jovens presentes de alegria, a despeito de ter deixado muita gente escandalizada (cf. http://www.df.ywambrazil.org/content/view/33/30/lang,brazilian_portuguese/).

“Seus olhos meu clarão/Me guiam dentro da escuridão/Seus pés me abrem o caminho/Eu sigo e nunca me sinto só...”. Seria profano louvar com essas palavras a Luz do mundo, o Caminho, a Verdade e a Vida, Àquele que prometeu estar conosco todos os dias até a consumação do século? Haveria alguém mais digno de receber esse tributo de louvor do que Jesus? Creio que não.

“Se o mundo for desabar sobre a sua cama/E o medo se aconchegar sob o seu lençol/E se você sem dormir/
Tremer ao nascer do sol/Escute a voz de quem ama/
Ela chega aí (...)
Você pode estar tristíssimo no seu quarto/Que eu sempre terei meu jeito de consolar/É só ter alma de ouvir/E coração de escutar/
Eu nunca me canso do uníssono com a vida”.

Esses versos proféticos do Caetano já foram e são Palavra de Deus na minha vida. Deus através do seu Espírito sempre, independente da magnitude da dor, do tamanho e da inexplicabilidade da tragédia, tem um jeito especial de consolar, exclusivo de elucidar mistérios e de decifrar enigmas existenciais. A “voz de quem ama” não tem distância, altura ou profundidade que a limite, ela sempre aí, aqui ou lá. Para isto basta não endurecer o coração e silenciar, ou no dizer, da música ter “a alma de ouvir e o coração de escutar”.

Sempre que escuto “A Cura”, de Lulu Santos além de me sentir encorajado no enfrentamento positivo da vida - “Enquanto isso/Não nos custa insistir/Na questão do desejo/Não deixar se extinguir/Desafiando de vez a noção/Na qual se crê/Que o inferno é aqui” - e de minhas esperanças escatológicas ficarem animadas começo a indagar: A quem ele se refere quando diz que se vira, será quando menos se esperar e de onde ninguém imagina? Alguma semelhança com aquele de quem disseram: “De Nazaré pode vir alguma coisa boa”? E que prometeu que virá repentinamente como o ladrão da noite?

Que certeza vã é essa, que esse “certo alguém” quando entrar no caminho e mudar a direção demolirá, reduzirá a pedra sobre pedra? Qual é a cura que toda raça experimentará para todo o seu mal?

Quando ouço Beto Guedes em “Sol de Primavera” dizer, “Já choramos muito/Muitos se perderam no caminho”, lembro-me daqueles que começaram tão bem, na simplicidade do Evangelho, apaixonados por Jesus, com um coração missionário, com um espírito voluntarioso, e que se perderam nos caminhos de suas vaidades. Uns se tornando astros e estrelas do “Mamon gospel”, outros burocratas da religião e outros tantos cultuadores da tradição, da doutrina, da moral, e do próprio ventre.

Porém a tristeza é logo dissipada, e meu coração é alentado e encorajado quando ele diz, “Mesmo assim não custa inventar/Uma nova canção/Que venha nos trazer/(...)Sol de primavera/Abre as janelas do meu peito”. Lembro-me de tanta gente consciente ou inconsciente do Evangelho, a semelhança de Daniel, não se contaminou com “as finas iguarias do poder” e de Elias não se ajoelhou aos “Baals” contemporâneos.

Creio assim porque creio na total soberania de Deus e na subversiva e ilimitada liberdade do seu Espírito para consagrar a seu serviço todas as coisas, quer sobre a terra quer sobre o céu, porque, em Cristo, Ele reconciliou consigo todas elas (Colossenses 1.20). Quem crê assim, tem a consciência convencida assim como a de Paulo, o apóstolo, “de que nenhuma coisa é de si mesma impura, salvo para aquele que assim o considera; para esse é impura (Romanos 14.14)”. E que, por isso, como ele diz Tito, um jovem pastor, “Todas as coisas são puras para os puros; todavia, para os impuros e descrentes (Tito 1.15a)”.

Por fim, ofereço um vídeo de um verdadeiro hino à vida, a sacralidade do amor; que celebra e louva de forma sublime a comunhão Criador e criatura: http://www.youtube.com/watch?v=Hv_N5ShSoAU&feature=related

Jesus segundo a carne

Teólogos, filósofos e cientistas se lançaram desde o século 19 num vultoso empreendimento em busca do “Jesus histórico” que estaria escondido sob a face do “Cristo da fé”, que nada mais seria que uma produção dos primeiros cristãos, fruto da consciência pré-científica deles. Eles teriam projetado no personagem histórico as imagens míticas de sua alma primitiva e, depositado nele, suas expectativas messiânicas.


O Jesus histórico não poderia ter curado cegos, leprosos e paralíticos, ressuscitado Lázaro e a filha de Jairo, multiplicado pães e peixes, andado sobre o mar e acalmado a tempestade. Tampouco teria nascido de uma virgem e ressuscitado. Mentes brilhantes e ilustradas não poderiam conceber a realidade factual desses relatos.

Na melhor das hipóteses seriam retratos alucinados feitos por mentes entorpecidas pela performance de um homem carismático, dotado de paranormalidade e avançado em truques de magia. E na pior das hipóteses seriam estórias conscientemente forjadas pelos discípulos de Jesus. Decepcionados pela morte trágica e humilhante de seu mestre, em nome de quem abandonaram seus empregos e deixaram em segundo plano suas famílias, eles teriam inventado uma estória para servir de pretexto para a fundação de uma nova religião, que lhes serviria de meio de sobrevivência financeira e psicológica. Envergonhados que estavam por terem entrado no delírio de Jesus de que ele era o “Filho de Deus”, o “Messias” prometido a Israel, os discípulos precisavam contornar os fatos para terem “como olhar na cara” das pessoas.

Nessa epopéia em busca do Jesus histórico, o que de mais valioso foi achado sob as camadas da mitologia e os escombros da história, e reconstruído à luz da aurora da razão, da maioridade da consciência, foi um líder religioso, protótipo da ética. Um judeu heterodoxo que tinha uma consciência profunda de Deus, que chegou ao ápice da compreensão do sentido da vida, e que foi morto por causa da radicalidade em que vivia aquilo que acreditava.

O fluxo plural da pós-modernidade impulsionado pelo mercado abriu novos canais para acessar o Jesus histórico e conhecê-lo segundo a carne. Descobriu-se que ele foi “o maior psicólogo”, “o maior executivo”, e “o maior líder” que existiu, além de ser “o melhor educador da história”. O mercado literário logo percebeu na diversidade de imagens de Jesus um alto valor venal.

Mas não é necessário desmistificar Jesus de Nazaré, despi-lo do Cristo, desacreditar sua divindade, para conhecê-lo apenas segundo a carne. Quando a religião o reduz a um ídolo, quando a percepção que tem dele é de um milagreiro, de um “pai-de-santo”, de um orixá ou de um “santo” do catolicismo popular que faz “as coisas acontecerem”. Uma entidade sempre pronta, mediante um bom pagamento, a servir de lobista dos interesses humanos perante Deus, para pressioná-lo a violar as leis da física e os processos humanos naturais e atender as demandas dos mortais. Um deus que sempre oferece um atalho para o fiel, que não o deixa ter seus desejos frustrados, nem ter que arcar com os prejuízos de suas escolhas, ou seja, “um deus que é fiel” aos desejos do coração humano.

Conhecer Jesus segundo a carne, isto é, segundo as possibilidades da inteligência humana, no máximo nos leva a reverenciá-lo como guru, cuja sabedoria se aplicada permite-nos ter uma vida relativamente bem sucedida – o que obviamente não significa uma vida sem problemas; ou temê-lo como uma potestade, como alguém que pode mais, como um super-homem hollywoodiano.

Todavia, se essas projeções humanas de Jesus, mais ou menos sombria, mais ou menos luminosa, não servirem de pretexto para revelação salvadora de Cristo, a Palavra de Deus encarnada, elas jamais poderão por si mesma levar o ser humano a conhecer a Jesus segundo o Espírito, isto é, conhecê-lo como o Cristo e Salvador. Caso contrário ele será apenas o protótipo ético, o maior psicólogo, o maior executivo, o maior líder, o melhor educador e a entidade mais forte. Isto mesmo, apenas sem aspas, porque todas essas imagens são diminutas, nebulosas, se não tiverem como geradora, Jesus, o Salvador.

Pois, conforme diz uma antiga música dos Vencedores por Cristo, “Nada Melhor”, do álbum “Se eu fosse contar”:

Muito embora um só Jesus exista
Nem todos sabem vê-lo como é
Filósofo, poeta ou comunista,
Ou mesmo um hippie já se disse até

Mas Jesus é bem mais importante
Quando se sabe de seu grande amor
E é preciso hoje que se cante
Jesus filho se Deus o Salvador

Vontade de amar, vontade de ganhar

Tenho percebido cada vez no trato e no tatear da alma humana como a vontade de ganhar é confundida com a vontade de amar. Confusão que tem sua razão de ser, pois somos movidos e confrontados em nosso ser por forças contraditórias que emanam das profundezas da nossa alma e disputam à hegemonia no nosso coração.

Por um lado precisamos ser amados para ser potencializada nossa capacidade de amar e darmos amor com a qualidade e a sabedoria que possibilite rendimentos afetivos duradouros, que nos faça entrar num círculo virtuoso. Todavia, amar é um investimento arriscado quando o indivíduo diante da expectativa ou do desejo de altos e duradouros lucros investe uma quantia elevada de seu capital emocional numa única ação, pondo em risco a estabilidade (?) de seu patrimônio. Isto por uma razão simples, nada garante que um amor será correspondido e mesmo se a princípio for não há como garantir que esse amor será para sempre uma sociedade lucrativa, que sobreviverá às oscilações da economia das emoções.

Por outro lado, um dos maiores desejos do ser humano é ser desejado. É para ser desejado é preciso mostrar poder. E poder tem a ver com força, atração, sedução e masturbação. O Dinheiro é um atrativo poderoso e um potente conversor de imagens. No jogo das fantasias e das projeções de complexos de inferioridade travestidos de idéias onipotentes, manias e delírios de grandezas que envolvem as relações humanas, o dinheiro é capaz de revestir uma pessoa pobre financeira, cultural e espiritualmente com uma persona (máscara) sedutora tornando-a um objeto de desejo. Mesmo quando não consegue essa proeza, o dinheiro pode proporcionar momentos de deleite e de prazer, ou pelo menos de dar conforto material para o sujeito embebecido de sua vaidade amargar os efeitos nauseantes e dilacerantes de suas ilusões e alucinações, e de seu auto-engano.

Entretanto o dinheiro não é o único nem um fator indispensável para a vontade se apossar do desejo de poder e capitalizar com ele. A sensualidade é um fator capaz de cativar corpos e alma, mesmo que não venha acompanhada de recursos financeiros. Ela, inclusive, frequentemente consegue atrair capitais valiosos. Quem não conhece alguém que é prisioneiro sexual de uma pessoa ou de um tipo de pessoa, como o cafajeste.

Aquela mulher, por exemplo, que continuamente reclama de seu parceiro, acusa-o de insensível, irresponsável e cafajeste, e que tem estampada em sua face o sofrimento, mas não consegue ou não quer romper a relação – a despeito de suas ameaças -, porque está cativa de corpo e alma ao poder da sensualidade dele. Ou aquela outra que vive lamuriando contra os homens, lamentando a má-sorte de ter sido várias vezes vítima (?) de golpes do sedutor cafajeste, de ter sido ludibriada por beijos cálidos, palavra doces, juras de amor, sussuros excitantes e “pegadas firmes”. Até que um dia ele encontra um homem decente, romântico, trabalhador sensível, que a valoriza como mulher, e que até tem uma performance sexual satisfatória. No princípio ela se encanta, se entrega na paixão, fantasia que encontrou o amor de sua vida, mas com o decorrer do tempo ela inconscientemente começa sabotar a sua possibilidade de ser feliz. Como a sua alma foi condicionada a uma relação de dominação e essa relação a convida para a liberdade, ela começa a temer assumir sua própria existência, e pede para ser dominada. E conforme não é atendida se revolta, começa a ficar com saudade de um cafajeste até ir ou pedir para um desses vir ao seu encontro.

Além do dinheiro e da sensualidade, a cultura é também um fator de poder. O sujeito que dispõe de um capital vasto de conhecimento e consegue traduzi-lo num eficiente e criativo instrumento de mediação e persuasão, e expressá-lo numa linguagem sedutora, traz para si a projeção de imagens sedutoras de poder, isto é, de força, de desejo, e capitaliza alto com o efeito disso, à medida que consegue dominar a consciência das pessoas e controlar suas sensibilidades. Isto é possível mesmo que ele não disponha de grandes recursos financeiros.

Diante dessas forças contraditórias que se alimentam das carências, dos vícios e medos, a alma se angustia e a consciência se perturba e se confunde. A vontade de amar é limitada quando não sabotada pela vontade de ganhar ou pelo medo de perder. O medo de perder capital numa ação específica, de perder patrimônio e contrair dívidas, alimentado por outros investimentos frustrados abalam a crença certeira de que o amor é o investimento mais rentável, mesmo que não haja garantia de lucro em todas as ações, que às vezes, inclusive, acarretam muito prejuízo.

A demonstração de poder recebe pagamento a vista, consegue lucro alto e rápido, torna o demonstrador desejado, e facilita o caminho para a realização de sonhos e fantasias, alimentando a vontade ganhar. Todavia, o lucro despenca e vai embora com a mesma rapidez que chegou à medida que a manutenção do brilho da personagem requerer o ocultamento da sua pessoalidade, a subordinação do ser ao ter, e a limitação à superficialidade das relações,

E como não é possível amar ficando apenas na superfície e sem tirar apetrechos da fantasia, o poder até para poder mais não tem outra solução que não seja se submeter ao amor, caso deseje investir num fundo rentável, e não simplesmente especular na bolsa.

Não se trata de renunciar o poder, porque se é verdade que só é possível amar seres reais, com suas luzes e sombras, suas virtudes entremeadas por seus vícios, e não ídolos e objetos idealizados, também é verdade que a gente ama quem a gente deseja, isto é, quem mostra poder. Não obstante, poder algum se sustenta e procria com liberdade e saúde sem amor, isto é, sem submissão a este poder maior.

A vontade de ganhar só poderá autenticamente vencer quando desistir de quitar as dívidas da sua alma sozinha, parar de achar que pode sanear sua economia aumentando seu patrimônio e atraindo investimento sem resolver sua dívida estrutural, sem modificar sua filosofia de gestão para uma economia solidária. E reconhecer que a vontade de amar é a melhor garantia para recebermos crédito sem juros, mesmo que a nossa dívida seja volumosa.

Bem-aventurado é aquele que descansa que sua dívida com Deus e consigo foi assumida por Jesus Cristo, e assuma essa verdade como VERDADE em sua vida. Este não passará sua vida tentando acertas contas consigo mesmo e querendo provar pra todo mundo que não precisava provar nada ninguém; porque sabe que tem como seguro de vida para esta e para a outra vida o maior, mais valioso e único perfeito amor, que é o amor de Deus.

Dízimos e ofertas

Tenho observado dois efeitos corrosivos à alma provocados pela mercadização da fé, pela monetarização do dízimo, produzidas por clérigos evangélicos, seus asseclas e associados, e vendidas nas suas igrejas.
O primeiro é a projeção da imagem de Mamon, o deus do dinheiro, em Deus. Deus passa a ser percebido como se fosse um banqueiro ou a “mão invisível” do mercado que abençoa ou remunera de acordo com os investimentos que são feitos pelos clientes nas igrejas que passam a ser percebidas como agências bancárias e pregões das bolsas de valores celestiais. Os dízimos e as ofertas passam a ser concebidos como moedas de troca, ou melhor, como instrumentos de barganha, como se a vontade de Deus tivesse um valor venal, oscilasse conforme a oferta ou a fuga de capitais (leia-se dízimos e ofertas).

A lógica que subjaz essa operação é que quanto maior é o investimento maior é o retorno. Ou seja, se você mudar da COHAB da Barreira Grande, para um sobrado na Aclimação, para um apartamento com dois dormitórios e uma suíte no Tatuapé ou para uma cobertura no Alto da Boa Vista; se você vai deixar de andar de ônibus ou de carona, para andar de Uno Mille, de CrossFox ou de BMW; se você vai deixar de passar as férias numa quitinete emprestada na Praia Grande, para passar em Ubatuba, Porto de Galinhas ou em Bariloche, é tudo uma questão de quanto você vai ofertar. Só o dízimo é muito pouco para reivindicar um alto padrão de vida.

O indivíduo que se relaciona com Deus segundo essa lógica tende a se amesquinhar, a pensar que Deus tem que ser a “baba de seus desejos” porque afinal ele está pagando e caro para isso. Ele tende a achar que Deus é seu empresário, que vai projetá-lo no mundo da fama e do sucesso, e quando as coisas não acontecem conforme às suas expectativas, logo passa a desconfiar do caráter de Deus, da sua idoneidade em honrar os seus investimentos.

O segundo é a indiferença frequentemente transmutada em cinismo naqueles que outrora movidos por medo, boa-fé ou por ambições materiais, eram fiéis contribuintes, ofertavam com liberalidade, doavam bens valiosos para o sistema religioso. Mas depois que se desencantaram com o sistema religioso, que sua consciência foi desalienada da falácia dos mercadores da fé – muitas vezes através de quedas violentas na realidade dos fatos, marcada de surtos, roubos e/ou arrombos pastorais – cerram o coração, dessensibilizam a alma e fecham as torneiras monetárias. E o que é pior, muita gente passa a agir assim baseado numa suposta compreensão verdadeira do Espírito do Evangelho. Em nome da graça passam a des-graçar o Evangelho.

Ambos os efeitos são decorrências de um problema estrutural congênito ou adquirido, a má formação na consciência da compreensão do espírito do Evangelho. O Evangelho nos ensina de cabo a rabo através de Jesus e dos seus apóstolos que a contribuição é um mandamento que é ao mesmo tempo um privilégio, que acarreta bênçãos pessoais e coletivas quando é feita por amor a Jesus Cristo.

Não se trata que Deus nos amara mais se contribuirmos bastante, nos amará menos se contribuirmos pouco ou deixará de nos amar se não contribuirmos com nada. O amor de Deus é invariável, nada fará com que Ele nos ame mais ou nos ame menos.

O fato de sermos fiéis contribuintes não impedirá que fiquemos desempregados, que nossa casa seja assaltada, que nosso carro bata, que contraiamos uma doença grave ou que uma pessoa que amamos vá embora ou mora. Tampouco os que não contribuem ou contribuem irregularmente ficam impedidos de serem promovidos no emprego, de sair do aluguel para uma casa própria, de trocarem o seu carro popular por um importado, de ter sorte no amor e uma vida saudável. Nem sofreram os males descritos necessariamente como castigo divino por não ofertarem. Deus faz o sol nascer e a chuva cair sobre justos e injustos. (Mateus 5.45)

O mandamento reside que ao sermos sal da terra e luz do mundo nós horizontalizamos o amor de Deus, e mostramos com as nossas boas obras a autenticidade de nossa Fé (Tiago 2.18). E benção está no aumento da percepção do cuidado de Deus por nós conforme ofertamos, seja em dinheiro ou em serviço, por amor, não por medo ou ambição, não apenas no sustento dos que ministram o Evangelho e nas instituições facilitadoras da sua ministração, mas também na assistência aos pobres, aos enfermos, aos órfãos, aos encarcerados e a todos que sofrem.

Ao ofertamos no amor de Jesus temos a bênção de sermos libertos do poder do dinheiro, da maldição que sua fartura ou escassez provoca em nossas vidas quando ele se torna um deus. Isto porque ao contribuirmos demonstramos que confiamos que a providência Divina é infinitamente mais sábia para nos fazer prosperar – segundo o Evangelho que é Vida, não segundo o mercado que é morte - do que nossa capacidade administrativa, do que nossos conhecimentos de gestão de recursos.

Quem entende isso sabe que o que Paulo que dizer quando diz que o que semeia pouco, pouco também ceifará; e o que semeia com fartura, com abundância ceifará (2º Coríntios 9.6), não é que a economia divina é equivalente à economia de mercado. E sim, que quanto mais contribuímos mais nos desapegamos de matéria, mais nos conscientizamos da “desimportância” de tantas coisas que a gente considerava imprescindível para ser feliz, mais mudamos nossa escala de valores, e mais nos abrimos para um caminho sobremodo excelente, para uma nova dimensão, uma dimensão de Vida.

Quem duvida, provai e vede!