sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Segundas e reais intenções

Uma estratégia relativamente eficaz para esvaziar uma denúncia é por em xeque a idoneidade do denunciante. Assim como para fugir de responder objetivamente a uma crítica e ter ameaçada a segurança intelectual e emocional, é desqualificar o crítico, levantar suspeitas sobre suas reais intenções.

Os políticos usam recorrentemente esse expediente. Quando Pedro Collor denunciou a participação do irmão, o então presidente, Fernando Collor, num esquema de corrupção capitaneado por PC Farias, a tropa de choque collorida o acusou de agir movido uma inveja doentia do irmão e de estar com problemas psiquiátricos. E ainda indagou ironicamente aos opositores se eles comprariam um carro usado por Pedro. Quando o então motorista de Collor, Eriberto França, foi a CPI confirmar os depósitos que PC fazia na conta da secretária particular do presidente, Ana Acioli, o então deputado governista Roberto Jefferson, indagou se ele agia apenas por patriotismo, insinuando claramente que ele estava sendo bem pago para isso. O motorista oportunista respondeu ao deputado se ele achava pouco.

Catorze anos depois Francenildo, o caseiro de uma mansão em Brasília que denunciou que o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci freqüentava o local na companhia de seus ex-assessores na prefeitura de Ribeirão Preto e de empresários que participavam juntos com ele de um esquema de cobrança de propina, teve o seu sigilo bancário quebrado ilegalmente. A quebra foi uma tentativa evidente de desmoralizar o depoimento do caseiro, tentando provar que ele agia conforme o Roberto Jefferson achava que o Eriberto agia.

Recentemente o ex-presidente Fernando Henrique escreveu um artigo “Para onde vamos?” no qual (des) qualifica o presidente Lula de “DNA do autoritarismo”, acusando-o de “minar o espírito da democracia constitucional”. Lula não rebateu ao conteúdo do texto apenas disse que FHC é um “poço de mágoa”. Em outras palavras, eu não vou perder tempo em rebater a crítica, trata-se apenas de uma peça fabricada por um coração ressentido.

Desde sexta-feira a mídia tem veiculado vídeos e áudios coletados pela Polícia Federal, através da Operação Caixa de Pandora, que mostram o governador do Distrito Federal, recebendo maços de dinheiro extorquido de empresas fornecedoras do Estado para o pagamento de sua base aliada. Os documentos remontam à época que ele era deputado federal e candidato a governador pelo PFL, atual DEM. O senador potiguar e correligionário de Arruda, José Agripino, deu uma resposta que não saiu da linha. Disse que achava estranho que as denúncias viessem à tona em ano pré-eleitoral.

Interessa-me, sim, saber se Pedro Collor tinha inveja do irmão e se só o denunciou por que teve os seus negócios jornalísticos ameaçados pela concorrência de PC. Se Eriberto e Francenildo receberam dinheiro para depor, embora nada justifique uma quebra de sigilo ilegal. Se o FHC é um poço de mágoa e tem inveja de Lula. Eu particularmente acho que o Lula tem uma certa razão. Conquanto, eu tenha uma leve preferência administrativa no todo por FHC, considero Lula bem mais inteligente politicamente do que ele. A altíssima popularidade de Lula, para mim, surpreendeu, incomoda e desperta os baixos instintos do vaidoso tucano. E também me interessa saber se é por acaso que a denúncia contra Arruda veio a luz em ano pré-eleitoral e se não há seletividade partidária no rigor da Polícia Federal.

Considero relevante, sim, saber as segundas e reais intenções de uma crítica e de uma denúncia. O que a motivou e a serviço de quem estão. A política é um jogo maroto e rasteiro, em que, via de regra, seus atores, da direita à esquerda, não são movidos por fome e sede de justiça, mas por fome e sede de poder e glória, e atuam segundo a máxima, “aos amigos tudo, aos inimigos a lei”. Fazer esses questionamentos é vital para não tornar críticos e denunciantes em heróis e exemplos de moralidade e de patriotismo, como se costuma fazer no Brasil. O Roberto Jefferson, por exemplo, em 2005, no auge da crise do mensalão, foi tratado por muita gente como um herói nacional, exemplo de coragem.

Muitas vezes o denunciador tem uma ficha criminal mais extensa que o denunciado, e quem critica, faz uma crítica que não tem autoridade moral de fazer, que serve mais a ele. Este é o problema de grande parte da oposição ao governo federal e razão da sua relevância e de seu crédito baixos para o povo.

Todavia, segundas e reais intenções, não devem ser usadas para impedir investigações e pré-absolver ninguém, nem para desconsiderar uma crítica. O que verdade é verdade, e o que é mentira é mentira, independente da boca de quem profere. Segundas e reais intenções devem ser usadas para mostrar as coisas como elas são, de que existem muitas trevas e pouca luz, para não nos enganarmos com simplificações maniqueístas e conspiratórias, mas não para distorcer a verdade. Paciência, a verdade é por nós e contra nós, entrega a todos, embora nem todos queiram se entregar a ela, e aqui se inclui demos, tucanos, peemedebistas, estrelas vermelhas e seus satélites.

Carisma, biografia e êxitos administrativos não podem servir de álibis para ninguém. Que a Justiça julgue com objetividade e imparcialidade, e a população faça o julgamento político nas urnas, ciente que não há nada tão ruim que não possa ser piorado.

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