sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Escritura Sagrada e Palavra de Deus

Ao ler vários trechos de algumas obras do teólogo e pastor reformado Karl Barth (1886 – 1968), natural da Basiléia, Suíça, em especial “Carta aos Romanos” - um comentário sobre a epístola do apóstolo Paulo a comunidade cristã de Roma - e algumas apreciações de sua teologia como um todo, fui atraído pela concretude de sua cristologia.

É oportuno lembrar preliminarmente que Barth viveu numa época em que a secularização já estava num estágio avançado na Europa Ocidental, em especial nos países de predominância da vertente protestante do Cristianismo, como a Suíça, a Holanda e a Inglaterra, além da Alemanha, onde os índices do protestantismo e o catolicismo são bem equilibrados. O liberalismo teológico já estava impregnado nas faculdades, nos seminários e nas igrejas cristãs, hegemonicamente nas protestantes. A Bíblia já havia sido dessacralizada, submetida à crítica literária, os fenômenos miraculosos relatados por ela foram desmistificados, atribuídos à mente primitiva, pré-científica; a razão foi erguida e a fé subordinada a ela no conhecimento bíblico.
Graduado na tradição liberal Barth começou a desacredita-la durante o seu ministério pastoral, quando começou a perceber que a erudição teológica liberal, com suas dissertações críticas sobre o relato bíblico, seu humanismo demasiado e seu otimismo no progresso da humanidade por suas próprias virtudes, era ineficaz para saciar a fome espiritual dos fiéis. Eles requeriam uma palavra que atendesse suas demandas existenciais, que os confortasse e desse alento em seus problemas psíquicos e sociais.

O descrédito no liberalismo teológico foi consumado durante a Primeira Guerra Mundial (1914 - 1918). Barth se decepcionou profundamente com o apoio declarado de professores seus, à política de guerra do Kaiser, em 1914, o imperador alemão Guilherme II. A carnificina da guerra pulverizou em Barth a crença que restava no progresso da humanidade.

Felizmente o fruto do desapontamento foi o (re) enlace de Barth com a Bíblia, como Escritura Sagrada, que gerou sua teologia da Palavra de Deus, a saber, de Jesus Cristo. Barth diferencia Escritura Sagrada – Bíblia - de Palavra Deus. A primeira contém, mas não esgota a segunda, que a extrapola. A Palavra de Deus é sujeito – Jesus Cristo -, que se revela, fala e confronta; não é um objeto – Escritura Sagrada - que pode ser controlado e ser dissecado. Pelo contrário, é ele que controla e disseca: “Porque a Palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até o ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração”. (Hebreus 4.12)

A Palavra de Deus, segundo Barth, assume três formas indissociáveis:

1. Revelação: compreende toda a história da humanidade, que é a história da salvação, cujo ápice é a encarnação de Deus, a manifestação visível de sua Palavra - Jesus Cristo. O Antigo Testamento aponta para sua vinda e o Novo Testamento a recorda e sinaliza sua volta. Em Jesus Cristo Deus concede a humanidade, a chave que abre as portas para a compreensão do passado e do futuro.

2. Bíblia: é o testemunho humano sobre a Revelação. Por ser humano é sujeito a condicionamentos sócio-históricos, na apreensão e na descrição dela. É Palavra de Deus na medida que Deus fala por seu intermédio.

3. Pregação: é o testemunho da Igreja acerca da Revelação, abrange a teologia e os sacramentos (batismo e eucaristia). Seu padrão de referência é o testemunho escrito da Revelação – a Bíblia – compreendida a luz de Jesus Cristo. Toda filosofia empregada na sua estruturação e transmissão tem como condição sine qua nom a subordinação à Escritura Sagrada e esta a Jesus Cristo.

Com Barth aprendemos de forma nítida que toda teologia por melhor sistematizada e mais sofisticada que seja, que não tenha Jesus Cristo como ponto de partida e ponto de chegada, não passará de uma abstração estéril no conhecimento da Revelação. Pode até incitar “masturbação mental” nos “intelectuais da fé” e arroubo na massa religiosa, todavia pouco nos aproximará da Palavra de Deus. A doutrina da Trindade não passará de fórmula metafísica se não compreendemos o Deus acima de nós – Pai – e o Deus com nós – o Espírito Santo – tendo como paradigma Jesus Cristo. “Ele [Deus Filho], que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser [Deus Pai” (Hebreus 1.3)...

Aquarela, Toquinho, Stênio e a Fé

Toquinho canta em Aquarela, música de sua autoria: E o futuro é uma astronave/Que tentamos pilotar/Não tem tempo, nem piedade/Nem tem hora de chegar/Sem pedir licença/Muda a nossa vida/E depois convida/A rir ou chorar.../Nessa estrada não nos cabe/Conhecer ou ver o que virá/O fim dela ninguém sabe/Bem ao certo onde vai dar/Vamos todos/Numa linda passarela/De uma aquarela/Que um dia enfim/Descolorirá...
(Cf.: http://www.youtube.com/watch?v=IG1ZU56tsdo&feature=related)

Este trecho retrata com realismo poético a dinâmica da nossa existência, cheia de relatividades e contradições, vista dentro de uma perspectiva humana. Façamos o exercício de rememorar os últimos finais de ano, pelo menos os últinos três, os balanços que fizemos dos anos correntes, os saldo que eles tiveram para nós, positivo ou negativo, as expectativas e planos que tinhamos para o ano seguinte, as estratégias que elaboramos para alcançá-los. Depois, comparemos com o que de fato aconteceu no ano seguinte. O que se confirmou, o que foi relativizado e o que foi descartado. As surpresas agradáveis e desagradáveis que tivemos.

Veremos, então, que muitas coisas que eram certas para nós se tornaram incertas - isto para o bem ou para o mal; que o que aconteceu de certo ou de errado, era algumas vezes relativamente previsível outras não. Os ganhos que tivemos nem sempre foram frutos do nosso trabalho, de nosso planejamento estratégico. Mesmo aqueles que foram, tiveram a participação direta e indireta de outros, sem as quais não seria possível colher os frutos. Colhemos também frutos que não plantamos, e nem capinamos, adubamos e regamos a terra em que eles nasceram. Em relação as perdas também, algumas delas não foram consequências de imprudências e impéricias nossas, de erros estratégicos. Muitas vezes fizemos o melhor que podíamos, seguimos conselhos especializados, fizemos conforme o script, mas os resultados não apareceram. Enquanto outras perdas poderiam ser previstas e evitadas, se ouvíssemos e pensássemos mais.

O imponderável é um fator presente nas vitórias e nas derrotas. Ele é imponderável, não apenas porque nossa consciência tem um alcance limitado, mas também porque o mundo é infinito e está em constante transformação. E os fatores de transformação não são todos vísiveis. O mundo que é, é maior do que aquele que vemos.

Então planejar é relativo? Sim, mas não descartável. Jesus ensinou que se alguém quer construir um torre deve, antes, calcular para ver se tem os recursos para concluí-la, isto é, antes de fazermos um investimento, inclusive os amorosos, devemos saber se temos como bancar até o fim. Ensinou que devemos construir nossa casa sobre a rocha, porque se construirmos sobre a areia, quando a tempestade vier ela será levada pela correnteza. Ou seja, há tempestade que inevitavelmente vêm, independente do que fazemos ou deixemos de fazer, por isso estejamos sobre a rocha para não sermos arrastados e arrasados por ela.

Jesus claramente ensina que há uma certa correlação entre aquilo que é semeado e aquilo que é colhido, como também há coisas que simplesmente acontecem porque tinham que acontecer.

Caso alguém tenha dúvida da lei da semeadura, viva desordenadamente, sem planejamento algum, seguindo unicamente o seu faro e compare os resultados, a médio e longo prazo, com a vida daquele que planeja, que toma decisões ponderadas e calculadas, que não se orienta apenas pelo instinto e pela intuição.

Por outro lado, nada é garantia de nada se os olhos estiverem focados apenas na temporalidade. Deus não tem compromisso com nossos sonhos e nossos projetos, muito menos com nossa justiça própria. Ele tem compromisso, sim, com o amor que Ele se comprometeu a nos amar, que se pode ser compreendido pela fé. E se formos só um pouquinho intleigente já podemos saber que Ele sabe mais da vida do que a gente.

Por que? Porque o futuro, a astronave que tentamos pilotar, fazendo valer nossa liberdade, não tem tempo, nem piedade. Não avisa quando começa, quando termina, quando recomeça e quando acaba de vez a viagem. Nem tem hora certa para chegar, nem garante se vai chegar, ainda que a gente tenha a ilusão que esteja no controle dela. Não pedi licença para mudar o rumo e o roteiro da viagem. E ao mudar simplesmente nos convida a sorrir ou a chorar. É o que podemos fazer.

Na estrada da vida a gente não sabe ao certo para onde vai, nem como a gente vai chegar lá, aonde a gente não sabe. Não sabemos o que nos espera na próxima curva. Nessa estrada não nos cabe/Conhecer ou ver o que virá/O fim dela ninguém sabe/Bem ao certo onde vai dar.

A gente sabe, ou pelo menos deveria saber, que nossa vida, independente da performance na passarela e da beleza da aquarela, um dia descolorirá. Vamos todos/Numa linda passarela/De uma aquarela/Que um dia enfim/Descolorirá...Àqueles, porém, que tem uma consciência ampliada da Palavra de Deus, pela fé sabem que não sabem como será a viagem, qual o percurso, as estradas que percorrerão e o tempo de duração, mas sabem com quem viajam, Jesus Cristo. Sabem que suas vidas estão ocultas com ele para o que der e vier. E, por isso, estão certos que quando o temporal se descolorir, as cores vivas da eternidade serão impressas em suas vidas. Saberão, então, o significado das relatividades e contradições da tempo, verão o desenho de sua existência pelo lado certo. Conforme Stenio Marcius em O Tapeceiro: Se você olha do avesso/Nem imagina o desfecho/No fim das contas/Tudo se explica/Tudo se encaixa/Tudo coopera pro meu bem/Quando se vê pelo lado certo/Muda-se logo a expressão do rosto/Obra de arte pra honra e glória/Do Tapeceiro/Quando se vê pelo lado certo/Todas as cores da minha vida/Dignificam a Jesus Cristo/O Tapeceiro. (Cf.: http://www.youtube.com/watch?v=CcfKTXtkC-I)

Digo isso porque não sabemos como será 2010. O que virá, o que partirá e se repartirá, o que partirá e nunca mais vai voltar, o que retornará. Os amores e as amizades que virão, que irão embora ou que regresserão. Provavelmente teremos ambos movimentos. Se o emprego esperado virá, se aparecerá uma proposta inesperada de trabalho ou se o desemprego nos assaltará. Não sabemos nem podemos garantir que tragédias não ocorrerão. Nem que novas paixões arrebatarão os nossos corações. Não adianta bater na madeira, fazer figa, dizer “tá amarrado em nome de Jesus”, se benzer, toamr banho de sal grosso e buscar ou pagar “cobertura espiritual” evangélica.

Adianta exercitar a Fé e saber que podemos todas as coisas naquele que nos fortalece – Jesus Cristo. E podemos porque para Deus, simplesmente, as trevas e a luz são iguais, noite brilha como o dia.

Quem em 2010 esta certeza possa estar cada vez mais certa em nós!

Pobre demo

O DEM (Democratas), o nem um pouco antigo PFL (Partido da Frente Liberal), nasceu de uma dissidência no PDS (Partido Democrático Social), antiga ARENA (Aliança Renovadora Nacional), partido que deu sustentação ao regime militar, e atual PP (Partido Progressista), de Paulo Maluf, Severino Cavalcanti, José Janene e cia., integrante da base lulista. O motivo foi a vitória de Paulo Maluf na convenção do PDS que elegeu o candidato que enfrentaria Tancredo Neves, do PMDB, na disputa presidencial indireta em 1985. Apoiadores do candidato derrotado Mario Andreazza, ex-ministro do Transporte, nos governos Costa e Silva e Médici, capitaneados por Antonio Carlos Magalhães, José Sarney, Aureliano Chaves, vice de Figueiredo, e Marco Maciel saíram do partido, formaram a “frente liberal” e se aliaram a candidatura oposicionista.

Sarney ocupou a vice na chapa de Tancredo, e com a morte deste a presidência caiu no seu colo. Por ironia do destino um filhote abastado da ditadura foi o primeiro presidente civil depois de 25 anos do regime, quem encaminhou a transição democrática, com ACM no ministério das Comunicações, Aureliano Chaves no das Minas e Energia, Marco Maciel no da Educação e depois na Casa Civil.

De Sarney a Fernando Henrique o PFL esteve no centro do poder, e foi o principal aliado. No governo tucano ocupou a vice-presidência com Marco Maciel. Com a vitória de Lula foi forçado a mudar de habito, trocar de papel, ser oposição, o que nestes quase oito anos de lulismo, a semelhança de seu parceiro, o PSDB, não conseguiu fazer bem feito. Ora representa de modo insosso, ora de modo patético.

Além disso, o DEM tem sofrido tem uma desidratação crônica. Em 1998 sua bancada na câmara e no senado era composta de respectivamente de 105 e 20 integrantes. Atualmente é de 55 e 13. Em 1998 elegeu seis governadores, já em 2006 apenas um. E para complicar ainda mais o seu quadro clínico, o único governador , José Roberto Arruda, do Distrito Federal, que até 15 dias atrás era sua principal vitrine e uma forte moeda de barganha política, para faturar a vice de Serra ou Aécio, dado seu governo ter mais de 70% de aprovação, foi pego com “as mãos na lama”, envolvido até “o pescoço” com o mensalão dos demos e associados brasilienses.
Para mim há pelo menos quatro causas que ajudam a compreender o quadro degenerativo do DEM.

1. Contradição genética: quem fecundou o partido, teoricamente liberal, defensor de uma economia de mercado com regulação mínima do Estado, pró-privatizações, foram caciques patrimonialistas, coronéis semi-capitalistas, que se enriqueceram com o sucateamento do Estado, usando o espaço público para fazer seus negócios e explorando os pobres por meio da política do “pão e circo”.
Esta contradição encontra paralelo no regime militar brasileiro, que apesar de ser uma ditadura de direita, criou mais de uma centena de estatais, principalmente no governo Geisel;

2. Desenraizamento popular: o partido não tem um lastro social, não tem uma faixa do eleitorado com alto grau de fidelização, não consegue vender suas idéias no atacado. O PT tem uma forte inserção no funcionalismo público, no sindicalismo, no movimento estudantil e em setores da intelectualidade e do meio artístico. O PSDB tem em outros setores da intelectualidade e do meio artístico, nas classes médias, tecnocrata e ilustrada, e nos grandes veículos da mídia. O PV tem entre os ambientalistas. Mesmos os partidos nanicos a esquerda do PT, PSOL, PC do B e PSTU, embora raquíticos eleitoralmente, controlam boa parte das faixas em que o PT é hegemônico, além de terem militâncias aguerridas e missionárias
O empresariado, que em tese poderia ser um setor simpático ao DEM, pela bandeiras da redução dos impostos, é pouco articulado politicamente, tem uma visão sistêmica precária, e tem uma tendência economicista, isto é, vota em quem oferece melhores condições para seus negócios lucrarem, os referenciais políticos e partidários ficam em segundo plano, isto quando são considerados.
O DEM precisaria convencê-los de que os altos lucros que grande parte do setor tem tido no governo Lula seriam ainda maiores se suas idéias fossem implantadas. Precisaria persuadir os banqueiros de que o recorde nos lucros que eles tiveram no lulismo seria quebrado quando os demos voltassem ao governo. Não é a toa que há setores do empresariado que preferem a Dilma, ex-guerrilheira marxista-leninista ao Serra;

3. Falta de líderes carismáticos: Pode-se alegar, com razão, que o PMDB numericamente o partido mais forte, também não tem uma faixa social fidelizada, e mesmo assim é o maior cotista no mercado político. Todavia, o PMDB tem líderes de grande projeção regional, que gostemos ou não, controlam amplas faixas do eleitorado, como José Sarney, Jader Barbalho, Jarbas Vasconcelos, Roberto Requião, Iris Rezende, Pedro Simon e Sérgio Cabral que agregam capital ao partido. Além do que, seu amplo pluralismo permite que se alie no todo ou em partes a quem estiver no poder;

A liderança mais expressiva do DEM, ACM, que ainda era muito forte na Bahia, faleceu no ano da “refundação” do partido. O ex-prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, na sua terceira administração, minou sua projeção local e implodiu seu eventual potencial para se projetar nacionalmente. O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, foi uma surpresa, um ganho inesperado para o partido, levando-se em conta que o partido era inexpressivo na maior cidade e no terceiro maior orçamento do país. Todavia, embora seu governo, a meu ver, seja mediano com oscilações positivas em algumas áreas e negativas em outras, seu perfil tecnocrático aliado ao fato de que ainda é um satélite do Serra, permite a sigla no máximo vislumbrar, com muito custo, vôos estaduais.

É preciso uma refundação de fato, não de direito, se o DEM não quiser morrer de inanição, e ser o que nunca foi, uma alternativa conservadora autêntica, uma direita respeitável.

Segundas e reais intenções

Uma estratégia relativamente eficaz para esvaziar uma denúncia é por em xeque a idoneidade do denunciante. Assim como para fugir de responder objetivamente a uma crítica e ter ameaçada a segurança intelectual e emocional, é desqualificar o crítico, levantar suspeitas sobre suas reais intenções.

Os políticos usam recorrentemente esse expediente. Quando Pedro Collor denunciou a participação do irmão, o então presidente, Fernando Collor, num esquema de corrupção capitaneado por PC Farias, a tropa de choque collorida o acusou de agir movido uma inveja doentia do irmão e de estar com problemas psiquiátricos. E ainda indagou ironicamente aos opositores se eles comprariam um carro usado por Pedro. Quando o então motorista de Collor, Eriberto França, foi a CPI confirmar os depósitos que PC fazia na conta da secretária particular do presidente, Ana Acioli, o então deputado governista Roberto Jefferson, indagou se ele agia apenas por patriotismo, insinuando claramente que ele estava sendo bem pago para isso. O motorista oportunista respondeu ao deputado se ele achava pouco.

Catorze anos depois Francenildo, o caseiro de uma mansão em Brasília que denunciou que o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci freqüentava o local na companhia de seus ex-assessores na prefeitura de Ribeirão Preto e de empresários que participavam juntos com ele de um esquema de cobrança de propina, teve o seu sigilo bancário quebrado ilegalmente. A quebra foi uma tentativa evidente de desmoralizar o depoimento do caseiro, tentando provar que ele agia conforme o Roberto Jefferson achava que o Eriberto agia.

Recentemente o ex-presidente Fernando Henrique escreveu um artigo “Para onde vamos?” no qual (des) qualifica o presidente Lula de “DNA do autoritarismo”, acusando-o de “minar o espírito da democracia constitucional”. Lula não rebateu ao conteúdo do texto apenas disse que FHC é um “poço de mágoa”. Em outras palavras, eu não vou perder tempo em rebater a crítica, trata-se apenas de uma peça fabricada por um coração ressentido.

Desde sexta-feira a mídia tem veiculado vídeos e áudios coletados pela Polícia Federal, através da Operação Caixa de Pandora, que mostram o governador do Distrito Federal, recebendo maços de dinheiro extorquido de empresas fornecedoras do Estado para o pagamento de sua base aliada. Os documentos remontam à época que ele era deputado federal e candidato a governador pelo PFL, atual DEM. O senador potiguar e correligionário de Arruda, José Agripino, deu uma resposta que não saiu da linha. Disse que achava estranho que as denúncias viessem à tona em ano pré-eleitoral.

Interessa-me, sim, saber se Pedro Collor tinha inveja do irmão e se só o denunciou por que teve os seus negócios jornalísticos ameaçados pela concorrência de PC. Se Eriberto e Francenildo receberam dinheiro para depor, embora nada justifique uma quebra de sigilo ilegal. Se o FHC é um poço de mágoa e tem inveja de Lula. Eu particularmente acho que o Lula tem uma certa razão. Conquanto, eu tenha uma leve preferência administrativa no todo por FHC, considero Lula bem mais inteligente politicamente do que ele. A altíssima popularidade de Lula, para mim, surpreendeu, incomoda e desperta os baixos instintos do vaidoso tucano. E também me interessa saber se é por acaso que a denúncia contra Arruda veio a luz em ano pré-eleitoral e se não há seletividade partidária no rigor da Polícia Federal.

Considero relevante, sim, saber as segundas e reais intenções de uma crítica e de uma denúncia. O que a motivou e a serviço de quem estão. A política é um jogo maroto e rasteiro, em que, via de regra, seus atores, da direita à esquerda, não são movidos por fome e sede de justiça, mas por fome e sede de poder e glória, e atuam segundo a máxima, “aos amigos tudo, aos inimigos a lei”. Fazer esses questionamentos é vital para não tornar críticos e denunciantes em heróis e exemplos de moralidade e de patriotismo, como se costuma fazer no Brasil. O Roberto Jefferson, por exemplo, em 2005, no auge da crise do mensalão, foi tratado por muita gente como um herói nacional, exemplo de coragem.

Muitas vezes o denunciador tem uma ficha criminal mais extensa que o denunciado, e quem critica, faz uma crítica que não tem autoridade moral de fazer, que serve mais a ele. Este é o problema de grande parte da oposição ao governo federal e razão da sua relevância e de seu crédito baixos para o povo.

Todavia, segundas e reais intenções, não devem ser usadas para impedir investigações e pré-absolver ninguém, nem para desconsiderar uma crítica. O que verdade é verdade, e o que é mentira é mentira, independente da boca de quem profere. Segundas e reais intenções devem ser usadas para mostrar as coisas como elas são, de que existem muitas trevas e pouca luz, para não nos enganarmos com simplificações maniqueístas e conspiratórias, mas não para distorcer a verdade. Paciência, a verdade é por nós e contra nós, entrega a todos, embora nem todos queiram se entregar a ela, e aqui se inclui demos, tucanos, peemedebistas, estrelas vermelhas e seus satélites.

Carisma, biografia e êxitos administrativos não podem servir de álibis para ninguém. Que a Justiça julgue com objetividade e imparcialidade, e a população faça o julgamento político nas urnas, ciente que não há nada tão ruim que não possa ser piorado.

Meditar e orar faz bem

A medicina ocidental tem descoberto nos seus laboratórios, por intermédio de seu típico método experimental, respaldado em resultados verificáveis e quantificáveis, àquilo que os orientais já sabiam via intuição há pelo menos 2,5 milênios: meditar e orar faz bem pra saúde.

Pesquisa comparativas feitas entre monges budistas e freiras comprovaram que o hábito de meditar ou de orar e rezar reduz a produção de adrenalina e cortisol, os hormônios responsáveis pelo estresse, o que reduz a pressão arterial, regulariza os batimentos cardíacos e evita o acúmulo de gorduras nas artérias, prevenindo desta maneira a ocorrência de doenças coronárias. Já as ondas cerebrais, alfa e beta, associadas à sensação de relaxamento aumentam assim como a produção de serotonina, o neurotransmissor responsável pela regulação do sono, do humor e do apetite, e de endorfina (endo, interno + morfina, analgésico), o neurotransmissor encarregado de aliviar a dor.

Os mais disciplinados e fervorosos tem a atividade do seu lobo temporal, a região cerebral responsável pelo senso de orientação, pela percepção do tempo e do espaço, e pelo senso de individualidade, diminuída progressivamente até cessar nos momentos de pico. Mas, paralela e inversamente a isso a atividade do sistema límbico, o “cérebro emocional”, responsável pela memória e pelas respostas afetivas é aumentada. O efeito desses movimentos contraditórios é a expansão da consciência, que produz a sensação de união com o universo e o êxtase.

Para aqueles que precisam da autenticidade científica para dar valor a uma prática, agora podem meditar, rezar ou orar, mesmo porque o que importa no rito ou na técnica, como os ocidentais preferem, é ter um foco bem definido para disciplinar a mente. O foco pode ser a inspiração e a respiração, um som, uma imagem, uma paisagem, uma música, um mantra ou qualquer outro estímulo visual, sonoro ou tátil que facilite a concentração, a instrospecção e a reflexão.

O problema que vejo na importação de práticas orientais pelo Ocidente materialista é o uso pragmático que se faz delas. Isto é problemático porque o rito ou método terapêutico não nasceu num laboratório científico, nem tiveram uma composição neutra, mão como desdobramento de um sistema de crenças, ligados a uma teoria ou teologia, enraizados num padrão cultural.

Embora haja semelhanças nos procedimentos e no efeito que eles produzem, um estudo comparativo das religiões mostra isso - e, diga-se de passagem, há diferentes formas de entender as semelhanças -, ao transportá-los para uma outra cultura é necessário que se faça devidas adaptações. E para isso não é simplesmente ou necessariamente laicizar a prática, isto é, expurgá-la de seus traços religiosos, mas requer também rever – não negar nem subordinar - a nossa percepção do mundo, a nossa teologia ou nossa teoria sob risco de desvirtuamento do método.

A percepção média do oriental é global e do ocidental é compartimentada. O oriental médio entende a dor e o sofrimento como fenômenos que fazem parte da naturalidade da vida, que devem ser refletidos, e encarados, porque são vitais para o nosso amadurecimento. O ocidental médio os entende como “estraga-prazeres”, como obstáculos à felicidade, aos quais na medida do possível deve se fugir ou combatê-los artificial ou ilusoriamente.

Por que ressalto isso? Porque o ocidental tende a cair na ilusão de que a meditação ou alguma prática congênere, se bem efetuada, é um método natural que blindagem da dor e do sofrimento. E na imprudência de meditar para ter sensações psicodélicas e experiências surreais. Se muita gente faz isso com as drogas naturais e sintéticas, porque não o faz com a meditação.

É bom lembrar que um dos objetivos da meditação é a limpeza da mente, e nesse processo inevitavelmente há contato com memórias dolorosas que evocam sentimentos e emoções poluídas que “assombram a casa”, que se não está edificada sobre a rocha, sua estrutura se abala, seus “moradores” ficam desesperados e “saem correndo”, isto quando não surtam.

Sou simpático à meditação, como a acupuntura, a ioga e a aromaterapia. Embora pratique a meditação – a meu modo – menos do que gostaria de praticar, por indisciplina minha, comprovo seus benefícios, a sua salubridade, assim como os da acupuntura, bem antes de saber da chancela da medicina ocidental.

Em relação à espiritualidade cristã creio que a meditação pode ser um instrumento facilitador de autoconhecimento e de ampliação da consciência para uma apreensão maior do conhecimento revelado por Deus em Cristo. Os exercícios espirituais requerem disciplina, o que não tem nada a ver com autopunição, mas tudo a ver com o condicionamento para uma vida mais saudável.

Todavia, o cristão deve saber que ele é chamado a viver pela fé, entre outras razões porque sua sensibilidade é um radar falível para detectar a Palavra de Deus e porque a Palavra de Deus não produz necessariamente alterações químicas e fisiológicas no organismo. Deus fala e escuta mesmo quando a gente não geme, fica com as emoções “a flor da pele”, com o “coração aquecido” ou é tomado por alguma outra emoção arrebatadora ou quando tem uma crise nervosa. Creio, aliás, que na maioria das vezes Ele não fala e nem escuta assim. E o que certifica isso é a fé, não nossos órgãos dos sentidos.

Por fim, o cristão deve estar ciente também que não há vias naturais ou artificiais de acesso a Deus, que relativizem a mediação de Cristo ou que substitua a Graça. Isto porque diferentemente da compreensão budista a resposta para os problemas do ser humano não está nele, nem nele a capacidade para purificar mente, tampouco o luminoso está no centro da sua individualidade. A resposta está sim na ação graciosa e misericordiosa de Deus através de sua Palavra, a saber, Jesus Cristo, que vai ao encontro do ser humano, quando este busca ou pensa que foge de sua presença, e lhe comunica que a sua vida foi purificada na cruz.

Entidades autônomas

Na última apresentação do querido e exímio músico Stênio Marcius, na Estação Vila Mariana, do Caminho da Graça, pedi a ele que cantasse “O Sonho” (cf. http://www.youtube.com/watch?v=7NjBc7G3i9E) - uma das musicas dele preferida por mim -, e comentei que está música é a preferida daqueles que tenho mostrado o trabalho dele. E ele respondeu que as músicas se tornam entidades autônomas, “deixam” de ser propriedades do autor. Contra-argumentei que era relativo porque as músicas nascem das profundezas da alma do autor, tem o seu dna. Minha réplica foi no sentindo da importância de não desconsiderarmos a importância do autor, e interpretarmos a letra ao bel-prazer do ouvinte. Mas ele sabiamente treplicou que embora isso fosse verdade, as músicas chegam uma hora que extrapolam o sentido dado pelo autor.

Pensei rápido e concordei com ele. Para o bem ou para o mal, esta é a verdade, uma mesma semente pode produzir diferentes frutos a depender do estado do solo em que ela vai ser lançada. Frequentemente minha alma é irrigada de beleza, meu coração é nutrido de luminosidade espiritual e minha consciência no Evangelho é ampliada por intermédio de músicas de autores que, até onde eu saiba, não partilham a mesma Fé que a minha e aparentemente não tiveram a intenção de produzir o efeito que em mim produziu, mas “paradoxalmente” por intermédio de suas letra eles produziram efeitos do Evangelho no meu ser. E creio que é assim porque, “Toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança (Tiago 1.17)”. Isto independentemente do portador da boa dádiva crer nisso.

Braulia Ribeiro, missionária da Jocum (Jovens com uma Missão) Bque gosta de tocar “Índio”, do Caetano Veloso, e “Maria, Maria”, do Milton Nascimento, nos congressos em que prega, conta que num encontro nacional desta missão enquanto à equipe de louvor tocava - a seu pedido - para adorar a Deus com intimidade, “Velha Infância” (cf.http://www.youtube.com/watch?v=MYssCy_8J3I&feature=relate), dos Tribalistas, composta por Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte, um espírito doce e especialmente terno envolveu o ambiente, e encheu a boca e o coração dos jovens presentes de alegria, a despeito de ter deixado muita gente escandalizada (cf. http://www.df.ywambrazil.org/content/view/33/30/lang,brazilian_portuguese/).

“Seus olhos meu clarão/Me guiam dentro da escuridão/Seus pés me abrem o caminho/Eu sigo e nunca me sinto só...”. Seria profano louvar com essas palavras a Luz do mundo, o Caminho, a Verdade e a Vida, Àquele que prometeu estar conosco todos os dias até a consumação do século? Haveria alguém mais digno de receber esse tributo de louvor do que Jesus? Creio que não.

“Se o mundo for desabar sobre a sua cama/E o medo se aconchegar sob o seu lençol/E se você sem dormir/
Tremer ao nascer do sol/Escute a voz de quem ama/
Ela chega aí (...)
Você pode estar tristíssimo no seu quarto/Que eu sempre terei meu jeito de consolar/É só ter alma de ouvir/E coração de escutar/
Eu nunca me canso do uníssono com a vida”.

Esses versos proféticos do Caetano já foram e são Palavra de Deus na minha vida. Deus através do seu Espírito sempre, independente da magnitude da dor, do tamanho e da inexplicabilidade da tragédia, tem um jeito especial de consolar, exclusivo de elucidar mistérios e de decifrar enigmas existenciais. A “voz de quem ama” não tem distância, altura ou profundidade que a limite, ela sempre aí, aqui ou lá. Para isto basta não endurecer o coração e silenciar, ou no dizer, da música ter “a alma de ouvir e o coração de escutar”.

Sempre que escuto “A Cura”, de Lulu Santos além de me sentir encorajado no enfrentamento positivo da vida - “Enquanto isso/Não nos custa insistir/Na questão do desejo/Não deixar se extinguir/Desafiando de vez a noção/Na qual se crê/Que o inferno é aqui” - e de minhas esperanças escatológicas ficarem animadas começo a indagar: A quem ele se refere quando diz que se vira, será quando menos se esperar e de onde ninguém imagina? Alguma semelhança com aquele de quem disseram: “De Nazaré pode vir alguma coisa boa”? E que prometeu que virá repentinamente como o ladrão da noite?

Que certeza vã é essa, que esse “certo alguém” quando entrar no caminho e mudar a direção demolirá, reduzirá a pedra sobre pedra? Qual é a cura que toda raça experimentará para todo o seu mal?

Quando ouço Beto Guedes em “Sol de Primavera” dizer, “Já choramos muito/Muitos se perderam no caminho”, lembro-me daqueles que começaram tão bem, na simplicidade do Evangelho, apaixonados por Jesus, com um coração missionário, com um espírito voluntarioso, e que se perderam nos caminhos de suas vaidades. Uns se tornando astros e estrelas do “Mamon gospel”, outros burocratas da religião e outros tantos cultuadores da tradição, da doutrina, da moral, e do próprio ventre.

Porém a tristeza é logo dissipada, e meu coração é alentado e encorajado quando ele diz, “Mesmo assim não custa inventar/Uma nova canção/Que venha nos trazer/(...)Sol de primavera/Abre as janelas do meu peito”. Lembro-me de tanta gente consciente ou inconsciente do Evangelho, a semelhança de Daniel, não se contaminou com “as finas iguarias do poder” e de Elias não se ajoelhou aos “Baals” contemporâneos.

Creio assim porque creio na total soberania de Deus e na subversiva e ilimitada liberdade do seu Espírito para consagrar a seu serviço todas as coisas, quer sobre a terra quer sobre o céu, porque, em Cristo, Ele reconciliou consigo todas elas (Colossenses 1.20). Quem crê assim, tem a consciência convencida assim como a de Paulo, o apóstolo, “de que nenhuma coisa é de si mesma impura, salvo para aquele que assim o considera; para esse é impura (Romanos 14.14)”. E que, por isso, como ele diz Tito, um jovem pastor, “Todas as coisas são puras para os puros; todavia, para os impuros e descrentes (Tito 1.15a)”.

Por fim, ofereço um vídeo de um verdadeiro hino à vida, a sacralidade do amor; que celebra e louva de forma sublime a comunhão Criador e criatura: http://www.youtube.com/watch?v=Hv_N5ShSoAU&feature=related

Jesus segundo a carne

Teólogos, filósofos e cientistas se lançaram desde o século 19 num vultoso empreendimento em busca do “Jesus histórico” que estaria escondido sob a face do “Cristo da fé”, que nada mais seria que uma produção dos primeiros cristãos, fruto da consciência pré-científica deles. Eles teriam projetado no personagem histórico as imagens míticas de sua alma primitiva e, depositado nele, suas expectativas messiânicas.


O Jesus histórico não poderia ter curado cegos, leprosos e paralíticos, ressuscitado Lázaro e a filha de Jairo, multiplicado pães e peixes, andado sobre o mar e acalmado a tempestade. Tampouco teria nascido de uma virgem e ressuscitado. Mentes brilhantes e ilustradas não poderiam conceber a realidade factual desses relatos.

Na melhor das hipóteses seriam retratos alucinados feitos por mentes entorpecidas pela performance de um homem carismático, dotado de paranormalidade e avançado em truques de magia. E na pior das hipóteses seriam estórias conscientemente forjadas pelos discípulos de Jesus. Decepcionados pela morte trágica e humilhante de seu mestre, em nome de quem abandonaram seus empregos e deixaram em segundo plano suas famílias, eles teriam inventado uma estória para servir de pretexto para a fundação de uma nova religião, que lhes serviria de meio de sobrevivência financeira e psicológica. Envergonhados que estavam por terem entrado no delírio de Jesus de que ele era o “Filho de Deus”, o “Messias” prometido a Israel, os discípulos precisavam contornar os fatos para terem “como olhar na cara” das pessoas.

Nessa epopéia em busca do Jesus histórico, o que de mais valioso foi achado sob as camadas da mitologia e os escombros da história, e reconstruído à luz da aurora da razão, da maioridade da consciência, foi um líder religioso, protótipo da ética. Um judeu heterodoxo que tinha uma consciência profunda de Deus, que chegou ao ápice da compreensão do sentido da vida, e que foi morto por causa da radicalidade em que vivia aquilo que acreditava.

O fluxo plural da pós-modernidade impulsionado pelo mercado abriu novos canais para acessar o Jesus histórico e conhecê-lo segundo a carne. Descobriu-se que ele foi “o maior psicólogo”, “o maior executivo”, e “o maior líder” que existiu, além de ser “o melhor educador da história”. O mercado literário logo percebeu na diversidade de imagens de Jesus um alto valor venal.

Mas não é necessário desmistificar Jesus de Nazaré, despi-lo do Cristo, desacreditar sua divindade, para conhecê-lo apenas segundo a carne. Quando a religião o reduz a um ídolo, quando a percepção que tem dele é de um milagreiro, de um “pai-de-santo”, de um orixá ou de um “santo” do catolicismo popular que faz “as coisas acontecerem”. Uma entidade sempre pronta, mediante um bom pagamento, a servir de lobista dos interesses humanos perante Deus, para pressioná-lo a violar as leis da física e os processos humanos naturais e atender as demandas dos mortais. Um deus que sempre oferece um atalho para o fiel, que não o deixa ter seus desejos frustrados, nem ter que arcar com os prejuízos de suas escolhas, ou seja, “um deus que é fiel” aos desejos do coração humano.

Conhecer Jesus segundo a carne, isto é, segundo as possibilidades da inteligência humana, no máximo nos leva a reverenciá-lo como guru, cuja sabedoria se aplicada permite-nos ter uma vida relativamente bem sucedida – o que obviamente não significa uma vida sem problemas; ou temê-lo como uma potestade, como alguém que pode mais, como um super-homem hollywoodiano.

Todavia, se essas projeções humanas de Jesus, mais ou menos sombria, mais ou menos luminosa, não servirem de pretexto para revelação salvadora de Cristo, a Palavra de Deus encarnada, elas jamais poderão por si mesma levar o ser humano a conhecer a Jesus segundo o Espírito, isto é, conhecê-lo como o Cristo e Salvador. Caso contrário ele será apenas o protótipo ético, o maior psicólogo, o maior executivo, o maior líder, o melhor educador e a entidade mais forte. Isto mesmo, apenas sem aspas, porque todas essas imagens são diminutas, nebulosas, se não tiverem como geradora, Jesus, o Salvador.

Pois, conforme diz uma antiga música dos Vencedores por Cristo, “Nada Melhor”, do álbum “Se eu fosse contar”:

Muito embora um só Jesus exista
Nem todos sabem vê-lo como é
Filósofo, poeta ou comunista,
Ou mesmo um hippie já se disse até

Mas Jesus é bem mais importante
Quando se sabe de seu grande amor
E é preciso hoje que se cante
Jesus filho se Deus o Salvador

Vontade de amar, vontade de ganhar

Tenho percebido cada vez no trato e no tatear da alma humana como a vontade de ganhar é confundida com a vontade de amar. Confusão que tem sua razão de ser, pois somos movidos e confrontados em nosso ser por forças contraditórias que emanam das profundezas da nossa alma e disputam à hegemonia no nosso coração.

Por um lado precisamos ser amados para ser potencializada nossa capacidade de amar e darmos amor com a qualidade e a sabedoria que possibilite rendimentos afetivos duradouros, que nos faça entrar num círculo virtuoso. Todavia, amar é um investimento arriscado quando o indivíduo diante da expectativa ou do desejo de altos e duradouros lucros investe uma quantia elevada de seu capital emocional numa única ação, pondo em risco a estabilidade (?) de seu patrimônio. Isto por uma razão simples, nada garante que um amor será correspondido e mesmo se a princípio for não há como garantir que esse amor será para sempre uma sociedade lucrativa, que sobreviverá às oscilações da economia das emoções.

Por outro lado, um dos maiores desejos do ser humano é ser desejado. É para ser desejado é preciso mostrar poder. E poder tem a ver com força, atração, sedução e masturbação. O Dinheiro é um atrativo poderoso e um potente conversor de imagens. No jogo das fantasias e das projeções de complexos de inferioridade travestidos de idéias onipotentes, manias e delírios de grandezas que envolvem as relações humanas, o dinheiro é capaz de revestir uma pessoa pobre financeira, cultural e espiritualmente com uma persona (máscara) sedutora tornando-a um objeto de desejo. Mesmo quando não consegue essa proeza, o dinheiro pode proporcionar momentos de deleite e de prazer, ou pelo menos de dar conforto material para o sujeito embebecido de sua vaidade amargar os efeitos nauseantes e dilacerantes de suas ilusões e alucinações, e de seu auto-engano.

Entretanto o dinheiro não é o único nem um fator indispensável para a vontade se apossar do desejo de poder e capitalizar com ele. A sensualidade é um fator capaz de cativar corpos e alma, mesmo que não venha acompanhada de recursos financeiros. Ela, inclusive, frequentemente consegue atrair capitais valiosos. Quem não conhece alguém que é prisioneiro sexual de uma pessoa ou de um tipo de pessoa, como o cafajeste.

Aquela mulher, por exemplo, que continuamente reclama de seu parceiro, acusa-o de insensível, irresponsável e cafajeste, e que tem estampada em sua face o sofrimento, mas não consegue ou não quer romper a relação – a despeito de suas ameaças -, porque está cativa de corpo e alma ao poder da sensualidade dele. Ou aquela outra que vive lamuriando contra os homens, lamentando a má-sorte de ter sido várias vezes vítima (?) de golpes do sedutor cafajeste, de ter sido ludibriada por beijos cálidos, palavra doces, juras de amor, sussuros excitantes e “pegadas firmes”. Até que um dia ele encontra um homem decente, romântico, trabalhador sensível, que a valoriza como mulher, e que até tem uma performance sexual satisfatória. No princípio ela se encanta, se entrega na paixão, fantasia que encontrou o amor de sua vida, mas com o decorrer do tempo ela inconscientemente começa sabotar a sua possibilidade de ser feliz. Como a sua alma foi condicionada a uma relação de dominação e essa relação a convida para a liberdade, ela começa a temer assumir sua própria existência, e pede para ser dominada. E conforme não é atendida se revolta, começa a ficar com saudade de um cafajeste até ir ou pedir para um desses vir ao seu encontro.

Além do dinheiro e da sensualidade, a cultura é também um fator de poder. O sujeito que dispõe de um capital vasto de conhecimento e consegue traduzi-lo num eficiente e criativo instrumento de mediação e persuasão, e expressá-lo numa linguagem sedutora, traz para si a projeção de imagens sedutoras de poder, isto é, de força, de desejo, e capitaliza alto com o efeito disso, à medida que consegue dominar a consciência das pessoas e controlar suas sensibilidades. Isto é possível mesmo que ele não disponha de grandes recursos financeiros.

Diante dessas forças contraditórias que se alimentam das carências, dos vícios e medos, a alma se angustia e a consciência se perturba e se confunde. A vontade de amar é limitada quando não sabotada pela vontade de ganhar ou pelo medo de perder. O medo de perder capital numa ação específica, de perder patrimônio e contrair dívidas, alimentado por outros investimentos frustrados abalam a crença certeira de que o amor é o investimento mais rentável, mesmo que não haja garantia de lucro em todas as ações, que às vezes, inclusive, acarretam muito prejuízo.

A demonstração de poder recebe pagamento a vista, consegue lucro alto e rápido, torna o demonstrador desejado, e facilita o caminho para a realização de sonhos e fantasias, alimentando a vontade ganhar. Todavia, o lucro despenca e vai embora com a mesma rapidez que chegou à medida que a manutenção do brilho da personagem requerer o ocultamento da sua pessoalidade, a subordinação do ser ao ter, e a limitação à superficialidade das relações,

E como não é possível amar ficando apenas na superfície e sem tirar apetrechos da fantasia, o poder até para poder mais não tem outra solução que não seja se submeter ao amor, caso deseje investir num fundo rentável, e não simplesmente especular na bolsa.

Não se trata de renunciar o poder, porque se é verdade que só é possível amar seres reais, com suas luzes e sombras, suas virtudes entremeadas por seus vícios, e não ídolos e objetos idealizados, também é verdade que a gente ama quem a gente deseja, isto é, quem mostra poder. Não obstante, poder algum se sustenta e procria com liberdade e saúde sem amor, isto é, sem submissão a este poder maior.

A vontade de ganhar só poderá autenticamente vencer quando desistir de quitar as dívidas da sua alma sozinha, parar de achar que pode sanear sua economia aumentando seu patrimônio e atraindo investimento sem resolver sua dívida estrutural, sem modificar sua filosofia de gestão para uma economia solidária. E reconhecer que a vontade de amar é a melhor garantia para recebermos crédito sem juros, mesmo que a nossa dívida seja volumosa.

Bem-aventurado é aquele que descansa que sua dívida com Deus e consigo foi assumida por Jesus Cristo, e assuma essa verdade como VERDADE em sua vida. Este não passará sua vida tentando acertas contas consigo mesmo e querendo provar pra todo mundo que não precisava provar nada ninguém; porque sabe que tem como seguro de vida para esta e para a outra vida o maior, mais valioso e único perfeito amor, que é o amor de Deus.

Dízimos e ofertas

Tenho observado dois efeitos corrosivos à alma provocados pela mercadização da fé, pela monetarização do dízimo, produzidas por clérigos evangélicos, seus asseclas e associados, e vendidas nas suas igrejas.
O primeiro é a projeção da imagem de Mamon, o deus do dinheiro, em Deus. Deus passa a ser percebido como se fosse um banqueiro ou a “mão invisível” do mercado que abençoa ou remunera de acordo com os investimentos que são feitos pelos clientes nas igrejas que passam a ser percebidas como agências bancárias e pregões das bolsas de valores celestiais. Os dízimos e as ofertas passam a ser concebidos como moedas de troca, ou melhor, como instrumentos de barganha, como se a vontade de Deus tivesse um valor venal, oscilasse conforme a oferta ou a fuga de capitais (leia-se dízimos e ofertas).

A lógica que subjaz essa operação é que quanto maior é o investimento maior é o retorno. Ou seja, se você mudar da COHAB da Barreira Grande, para um sobrado na Aclimação, para um apartamento com dois dormitórios e uma suíte no Tatuapé ou para uma cobertura no Alto da Boa Vista; se você vai deixar de andar de ônibus ou de carona, para andar de Uno Mille, de CrossFox ou de BMW; se você vai deixar de passar as férias numa quitinete emprestada na Praia Grande, para passar em Ubatuba, Porto de Galinhas ou em Bariloche, é tudo uma questão de quanto você vai ofertar. Só o dízimo é muito pouco para reivindicar um alto padrão de vida.

O indivíduo que se relaciona com Deus segundo essa lógica tende a se amesquinhar, a pensar que Deus tem que ser a “baba de seus desejos” porque afinal ele está pagando e caro para isso. Ele tende a achar que Deus é seu empresário, que vai projetá-lo no mundo da fama e do sucesso, e quando as coisas não acontecem conforme às suas expectativas, logo passa a desconfiar do caráter de Deus, da sua idoneidade em honrar os seus investimentos.

O segundo é a indiferença frequentemente transmutada em cinismo naqueles que outrora movidos por medo, boa-fé ou por ambições materiais, eram fiéis contribuintes, ofertavam com liberalidade, doavam bens valiosos para o sistema religioso. Mas depois que se desencantaram com o sistema religioso, que sua consciência foi desalienada da falácia dos mercadores da fé – muitas vezes através de quedas violentas na realidade dos fatos, marcada de surtos, roubos e/ou arrombos pastorais – cerram o coração, dessensibilizam a alma e fecham as torneiras monetárias. E o que é pior, muita gente passa a agir assim baseado numa suposta compreensão verdadeira do Espírito do Evangelho. Em nome da graça passam a des-graçar o Evangelho.

Ambos os efeitos são decorrências de um problema estrutural congênito ou adquirido, a má formação na consciência da compreensão do espírito do Evangelho. O Evangelho nos ensina de cabo a rabo através de Jesus e dos seus apóstolos que a contribuição é um mandamento que é ao mesmo tempo um privilégio, que acarreta bênçãos pessoais e coletivas quando é feita por amor a Jesus Cristo.

Não se trata que Deus nos amara mais se contribuirmos bastante, nos amará menos se contribuirmos pouco ou deixará de nos amar se não contribuirmos com nada. O amor de Deus é invariável, nada fará com que Ele nos ame mais ou nos ame menos.

O fato de sermos fiéis contribuintes não impedirá que fiquemos desempregados, que nossa casa seja assaltada, que nosso carro bata, que contraiamos uma doença grave ou que uma pessoa que amamos vá embora ou mora. Tampouco os que não contribuem ou contribuem irregularmente ficam impedidos de serem promovidos no emprego, de sair do aluguel para uma casa própria, de trocarem o seu carro popular por um importado, de ter sorte no amor e uma vida saudável. Nem sofreram os males descritos necessariamente como castigo divino por não ofertarem. Deus faz o sol nascer e a chuva cair sobre justos e injustos. (Mateus 5.45)

O mandamento reside que ao sermos sal da terra e luz do mundo nós horizontalizamos o amor de Deus, e mostramos com as nossas boas obras a autenticidade de nossa Fé (Tiago 2.18). E benção está no aumento da percepção do cuidado de Deus por nós conforme ofertamos, seja em dinheiro ou em serviço, por amor, não por medo ou ambição, não apenas no sustento dos que ministram o Evangelho e nas instituições facilitadoras da sua ministração, mas também na assistência aos pobres, aos enfermos, aos órfãos, aos encarcerados e a todos que sofrem.

Ao ofertamos no amor de Jesus temos a bênção de sermos libertos do poder do dinheiro, da maldição que sua fartura ou escassez provoca em nossas vidas quando ele se torna um deus. Isto porque ao contribuirmos demonstramos que confiamos que a providência Divina é infinitamente mais sábia para nos fazer prosperar – segundo o Evangelho que é Vida, não segundo o mercado que é morte - do que nossa capacidade administrativa, do que nossos conhecimentos de gestão de recursos.

Quem entende isso sabe que o que Paulo que dizer quando diz que o que semeia pouco, pouco também ceifará; e o que semeia com fartura, com abundância ceifará (2º Coríntios 9.6), não é que a economia divina é equivalente à economia de mercado. E sim, que quanto mais contribuímos mais nos desapegamos de matéria, mais nos conscientizamos da “desimportância” de tantas coisas que a gente considerava imprescindível para ser feliz, mais mudamos nossa escala de valores, e mais nos abrimos para um caminho sobremodo excelente, para uma nova dimensão, uma dimensão de Vida.

Quem duvida, provai e vede!

Cristo cósmico

Paulo, o apóstolo, ensina que há gente que não sabe quem foi Adão e Eva, a história da Arca de Noé e do dilúvio, que Abraão é o pai da fé, que Deus abriu o mar vermelho, por intermédio de Moisés, na fuga dos hebreus do Egito, quais são os dez mandamentos e as leis cerimoniais, nem quem foram os profetas, muito menos o que eles falaram, ou seja, gente que embora não conheça a letra, conhece o espírito, da Revelação. “De fato, quando os gentios, que não têm a Lei, praticam naturalmente o que ela ordena, tornam-se lei para si mesmos, embora não possuam a Lei; pois mostram que as exigências da Lei estão gravadas em seu coração. Disso dão testemunho também a sua consciência e os pensamentos deles, ora acusando-os, ora defendendo-os (Romanos 2.14,15, NVI)”.

Mas como essa gente veio a conhecer? Teria sido mediante uma prática meditativa, um sacrifício, um êxtase ou uma dedução filosófica? Pode ter sido por qualquer uma dessas formas ou por alguma outra forma escolhida por Deus para revelar a essência de sua mensagem, que transcende a todos os formatos teológicos e filosóficos, inclusive os fabricados pelo cristianismo. O certo é que gente que procurava a Deus - muitos sem ter consciência disto - que tateava para achá-Lo, não o encontrou, mas foi encontrado por Ele (Atos 17.16-31).

O mesmo Deus que permitiu que os povos andassem segundo suas inclinações culturais, suas tradições religiosas e filosóficas, e seus hábitos e suas superstições, não deixou de dar o seu testemunho (Atos 14.16,17). Ele deu seu testemunho na excelência da criação (Salmo 19) e na História. Assim como livrou os hebreus do Egito, libertou os filisteus de Caftor e os arameus sírios de Quir (Amós 9.7).

Tampouco deixou Deus de receber culto dos que o tinham como um Deus desconhecido (Atos 17.23). Àqueles que o adoravam conforme a letra, mas em espírito disforme, contrastou com os que o adoravam sem saber a letra, mas conforme o Espírito: “Ah, se um de vocês fechasse o templo! Assim ao menos não acenderiam o fogo do meu altar inutilmente. Não tenho prazer em vocês, diz o Senhor dos Exércitos, e não aceitarei as suas ofertas. Pois do oriente ao ocidente, grande é o meu nome entre as nações. Em toda parte incenso é queimado e ofertas puras são trazidas ao meu nome, porque grande é o meu nome entre as nações, diz o Senhor dos Exércitos (Malaquias 1.10,11)”.

Alguns alegam que a realidade descrita foi um fenômeno que se encerrou com vinda de Cristo. Que depois disto só pode ser salvo quem tiver conscientemente conhecido a Jesus Cristo, o recebido como o Salvador e sido batizado em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Estariam então condenados ao inferno milhões de pessoas que morrem sem ouvir falar de Jesus ou que ouviram somente as versões deturpadas Dele produzidas por algumas expressões do cristianismo? Ou será que as pessoas que morrem nessa condição, assim morrem por que não foram predestinadas para a salvação?

Creio que não! Aceitar a primeira hipótese seria limitar a ação do Espírito Santo ao alcance territorial missionário, à boa vontade dos cristãos de evangelizarem. Seria aceitar que os planos de Deus podem ser frustrados se a Igreja não adotar uma estratégia missionária eficaz.

Aceitar a segunda hipótese é incorrer numa visão reducionista e mecanicista da predestinação. É perceber Deus como se ele estivesse preso ao tempo. É afirmar que o NÃO de Deus é maior que o seu SIM, que sua ira é mais inclusiva do que sua graça.

Creio, sim, que o Espírito sopra onde quer; que Ele não é delimitado por fronteiras religiosas, culturais, étnicas e políticas. Os magos do Oriente receberam a Revelação por intermédio de uma conjunção planetária (Mateus 2.1,2). Cornélio, chefe da guarda romana, um pagão, recebeu a Revelação através de anjo numa visão. A Revelação precedeu a informação. O Espírito foi assimilado antes do conhecimento da letra, trazido por Pedro (Atos 10). Fenômeno que tem se repetido ao longo da história (Leia “O Fator Melquisedeque”, de Don Richardson, Edições Vida Nova).

Creio, sim, que o Evangelho que é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê não é uma teoria, uma filosofia, uma ideologia, uma doutrina ou mesmo a Bíblia. O Evangelho é uma Pessoa, Jesus Cristo, que se revela espiritualmente, porque é o Salvador do mundo. Não passou a ser o Salvador depois que se encarnou, Ele sempre foi. O Cordeiro foi imolado antes da criação do mundo e é conhecido desde então (Apocalipse 13.8b; I Pedro 1.19, 20). Cristo era a rocha espiritual, da qual, os hebreus inconscientemente bebiam no deserto e que os acompanhava na travessia (I Coríntios 10.4). E que muita hoje tem bebido e caminhado ao lado, embora não tenha tido o conhecimento histórico de Jesus Cristo.

Sim, conhecer a letra é um privilégio. Ter a Revelação explícita, codificada, tornada Escritura, é uma bênção. Mas só será uma vantagem diante daqueles que a tiveram de forma enigmática, subentendida, nas entrelinhas, se a Escritura se tornar Palavra de Deus, se nos apropriarmos dela como fonte de conhecimento espiritual, se a lermos além da letra, se não desprezarmos o Espírito. Caso contrário, não há vantagem alguma, mas há, sim, um juízo especial: “A quem muito foi dado muito será exigido; e a quem muito foi confiado, muito mais será pedido Lucas 12.48)”.

Fundamentalismo evangélico

No último texto fiz uma diferenciação da orientação teológica conservadora em relação ao fundamentalismo, enquanto movimento histórico. Neste pretendo fazer uma breve apresentação do fundamentalismo como orientação teológica.

Por certo não podemos dizer que o fundamentalismo seja de todo antiintelectual e literal. Se a intelectualidade é desprezada no embate com liberais e conservadores, no confronto com carismáticos e pentecostais ela é ostentada. Ela é bem-vinda desde que esteja a serviço da defesa de seus fundamentos doutrinários e da versão King James da Bíblia (no Brasil, edição Almeida revista e corrigida).

Cabe aqui salientar que uma das marcas do fundamentalismo é a negação da contemporaneidade dos dons espirituais de cura, profecia e glossolalia (língua estranha) após o término do ministério dos apóstolos. O que é compreensível dentro da lógica fundamentalista, pois o reconhecimento desses dons implicaria na relativização da autoridade do clero e da doutrina. Por isso, é um equívoco classificar igrejas pentecostais clássicas, como a Assembléia de Deus e Congregação Cristã no Brasil, como fundamentalistas por não permitirem que as mulheres cortem o cabelo e os homens tenham cabelo comprido e, no caso da Congregação, exigir que as mulheres usem véu na igreja e quando oram, fundamentadas numa interpretação literalista e universalista da prescrição, atribuída a Paulo, a igreja de Corinto (I Coríntios 11.1-16).

No âmbito evangélico o fundamentalismo mais do que uma questão estética, de usos e costumes, é uma questão teológica.

Não podemos dizer também que o fundamentalismo é literalista ao ponto de não reconhecer as figuras de linguagem na Bíblia e acreditar literalmente que “os montes e os outeiros romperão em cânticos diante de vós, e todas as árvores do campo baterão palmas (Isaías 55.12b)”; ou de praticarem automutilações quanto pecam, seguindo ao pé da letra as palavras de Jesus: “Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, e não seja todo o teu corpo lançado no inferno. E, se a tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, e não vá todo o teu corpo para o inferno (Mateus 5.29-30)”. Chega, também, a reconhecer algum tipo de condicionamento cultural na mensagem bíblica, como a prescrição ao uso do véu.

Mas, então, o que distingue basicamente a orientação fundamentalista da orientação conservadora? Como já foi dito no texto anterior o movimento histórico fundamentalista foi de natureza interdenominacional e se caracterizou pela defesa de cinco pontos basilares da fé cristã, entendidos como irretocáveis, sujeito a penalidade de ser considerado herese e até mesmo apóstata quem renunciasse a qualquer um deles. Relembrando os pontos: 1) inspiração e infalibilidade das Escrituras; 2) divindade de Cristo; 3) seu nascimento virginal e a historicidade de seus milagres; 4) sua morte expiatória; 5) a literalidade de sua ressurreição e de sua volta ao mundo.

A heterogeneidade do movimento se unia em torno desses cinco pontos com ligeiras diferenças de interpretação em relação ao primeiro. Entretanto, como movimento heterogêneo que era logo apareceram as nuances.

Uma dos grupos - que, posteriormente passou a se apresentar como os legítimos fundamentalistas - passou a reivindicar que a interpretação escatológica pré-milenista dispensacionalista era também um ponto fundamental da fé. Conquanto haja matizes nessa linha escatológica basicamente ela prega uma distinção entre Israel – os judeus salvos - e Igreja – os gentios (não-judeus) salvos. Entende que as profecias do Antigo Testamento se relacionam ao Israel terreno. E que Jesus voltará a Terra duas vezes. Na primeira de forma secreta quando arrebatará a Igreja e os judeus convertidos. De imediato se iniciará um período de sete anos de intensa tribulação quando haverá uma conversão em massa de judeus à fé cristã e o Anti-Cristo se manifestará. No fim Cristo retornará pela segunda vez, porém pela visivelmente pela primeira vez, derrotará o Anti-Cristo e os inimigos de Israel e por mil anos literais reinará sobre ela.

Isto gerou controvérsias no movimento porque ele era composto por grupos que professavam o amilenismo, que entende os mil anos como um tempo indeterminado de governo espiritual de Cristo iniciado após a sua assunção, e o pos-milenismo, que entende que Cristo voltará após um período de mil anos na Terra de paz e prosperidade decorrentes do avanço da pregação do Evangelho. Havia também os pré-milenistas que entendiam que o posicionamento escatológico era uma questão secundária.

Como desdobramento dessa linha de interpretação os fundamentalistas se alinham incondicionalmente è defesa do Estado de Israel, em especial de sua direita política. Os críticos e adversários de Israel são taxados indiscriminadamente de agentes e facilitadores do processo de instalação do governo mundial do Anti-Cristo. A ONU, a União Européia e o Partido Democrata dos Estados Unidos são identificados como precursores desse futuro reino satânico. Fica aqui clara a serventia dos fundamentalistas ao Partido Republicano dos Estados Unidos, em especial a ala da direita da cristã.

Em material de moral privada, os fundamentalistas passaram a pregar a abstinência do consumo de bebidas alcoólicas e do tabaco, considerados agentes do declínio moral dos cristãos europeus. Mesmo o consumo moderado do vinho passou a ser considerado um vício. Na eucaristia das igrejas fundamentalistas o símbolo do sangue de Cristo obrigatoriamente é o suco de uva.

Em matéria de política eclesiástica os fundamentalistas passaram a pregar a “caça às bruxas”, isto é, o expurgo de todos os liberais – equivocada ou estrategicamente identificados de forma generalizada como socialistas ou comunistas -, neoortodoxos e pentecostais da igreja e dos seminários, ou diante da tolerância a estes por parte da instituição, a separação dela. Ou seja, a determinação era que um autêntico fundamentalista, isto é, no entender deles, um autêntico cristão, não pode participar de uma igreja ou de um movimento que abrigue tendências desviantes ao seu padrão, mesmo que a confissão de fé esteja alinhada com os pontos fundamentais da fé fundamentalista.

Em matéria de política pública, nos Estados Unidos, p. ex, os fundamentalistas passaram a uma campanha ostensiva para combater a secularização do Estado, lutando contra a legalização do aborto, do casamento homossexual e da pesquisa com células-tronco embrionárias, e a favor da oração cristã e do ensino do criacionismo nas escolas públicas. Eles têm servido também como legitimadores morais das guerras patrocinadas pelos EUA.

Com a ciência e a cultura o fundamentalismo não dialoga e nem busca pontos de convergência. Elas só são úteis se não entrarem em colisão com seus valores morais e se servirem como instrumento de propagação da sua fé. Divergem dos conservadores em geral que entendem que a cultura, mesmo produzida por não-cristãos, pode refletir elementos da verdade, da beleza divina e por isso ser apreciada, pois partem do pressuposto que toda verdade, beleza e virtude, independente da crença religiosa de quem profere, procede de Deus que opera em e através de toda a humanidade.

Quanto a mim diria aos fundamentalistas que antes que prescrevessem aos seus prosélitos seu ascetismo puritano e censurassem a inobservância dele por outros cristãos se lembrassem da advertência interpelativa de Paulo, o apóstolo, aos cristãos da Galácia e pensassem se ela é pertinente a eles: “Quero apenas saber isto de vós: recebeste o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé? Sois assim insensatos que, tendo começado no Espírito, estejais, agora, vos aperfeiçoando na carne (Gálatas 3.2-3)”?

Que antes de deflagrarem suas cruzadas e seus piquetes moralizantes na sociedade e montarem suas estratégias de ocupação do poder lembrassem da recomendação de Zacarias, o profeta, a Zorobabel, líder político judeu: “Não por força nem por poder, mas pelo meu Espírito, diz o Senhor dos Exércitos (Zacarias 4.6b)”. E das palavras de Jesus a Pilatos, governador romano na Judéia: “O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus ministros se empenhariam por mim, para que não fosse eu entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui (João 18.36)”.

Conservador, fundamentalista...

Frequentemente mal-compreendido, confundido e empregado como sinônimo de fundamentalista, não apenas por leigos e palpiteiros, mas inclusive por gente que se apresenta como perita em assuntos teológicos e eclesiásticos, o significante conservador precisa ser bem diferenciado para se compreender o quê significa.

Por certo, é preciso analisar o contexto em que ele é tomado como fundamentalista para saber se há de fato confusão. Digo isto porque usualmente os significantes, conservador e fundamentalista, são usados em debates teológicos, em discussões na sala de aula, em conversas nos corredores e nos bares e em textos polemistas como adjetivos para desqualificar interlocutores e detratores, para fazê-los saírem do nível da razão ou para fugir de entrar em contato com idéias que ameace as certezas de quem rotula. Nestes casos não se trata de desconhecimento, mas de tática de batalha verbal.

Para equacionar esse problema é preciso diferenciar o fundamentalismo enquanto movimento histórico e enquanto orientação teológica. No caso a distinção se fará em torno do fundamentalismo cristão-protestante.

O movimento histórico surgiu nos Estados Unidos no início do século 20, como uma frente interdenominacional, composta por protestantes conservadores, principalmente batistas e presbiterianos, de combate ao liberalismo teológico que, proveniente da Alemanha, estava se alastrando pelos seminários e pelas igrejas estadunidenses, provocando fortes tensões e divisões. Fundamentado em pressupostos racionalistas, o liberalismo advogava o método histórico-crítico como instrumento de interpretação da Bíblia; a subordinação dela à crítica literária e as descobertas científicas; e filtragem dos mitos, lendas e imprecisões históricas nela contidos, ou seja, o texto bíblico deveria revisto tendo a razão como crivo.

Como reação a essa investida, o movimento publicou entre 1910 e 1915 uma série de 12 volumes, “Os Fundamentos”, uma coleção de artigos para sustentar cinco pontos considerados por ele irremovíveis da fé cristã.

1. Inspiração e infalibilidade das Escrituras: toda a Bíblia é inspirada por Deus e, por isso, imune a erros, logo, não pode ser analisada criticamente.
2. Divindade de Cristo: Jesus é perfeitamente Deus, não apenas um ser divinizado;
3. O nascimento virginal de Cristo e os milagres: para os liberais o nascimento virginal de Cristo era um mito e milagres narrados eram eventos naturais interpretados fantasiosamente pela mente primitiva.
4. O sacrifício propiciatório de Cristo: Cristo morreu em substituição a humanidade, pelos pecados dela, não apenas para dar exemplo de abnegação a um ideal divino.
5. A ressurreição literal e o retorno de Cristo: A ressurreição foi um fato histórico, Jesus ressurgiu em “carne e osso”, assim como será histórico o seu regresso a Terra.

Chamar conservadores de fundamentalistas porque professam esses cinco pontos é um equívoco porque esses sempre foram defendidos pela ortodoxia cristã-protestante, com algumas nuances apenas na interpretação de infalibilidade.

Os conservadores entendem que a infalibilidade da Bíblia não se aplica a uma versão específica, como a King James, defendida por fundamentalistas, como os batistas regulares, mas aos originais – uma profissão de fé já que não temos acesso a eles. Estão cientes das diferenças em alguns manuscritos, dos erros dos copistas, das aparentes incongruências nas narrativas de eventos comuns entre os Evangelhos, nas citações dos autores e dos personagens bíblicos. Por isso, não dispensam os recursos da lingüística, da antropologia e da arqueologia, por exemplo. Todavia, a assimilação desses é subordinada ao pressuposto inegociável da infalibilidade das Escrituras. Eles não podem entrar em conflito com as doutrinas fundamentais, caso contrário, são descartados ou são adaptados a elas.

(Des) qualificar os conservadores de anti-intelectuais por submeterem, em última instância, o conhecimento a fé é ignorância ou má-fé. Até porque todo corpo de conhecimento – por mais científico e filosófico que advogue ser - tem lacunas, assimetrias e contradições. Se os conservadores procuram compreendê-las à luz da fé na ortodoxia, os liberais procuram à luz da fé na ideologia, que é tão metafísica quanto. O deus de amor-romântico dos liberais é tão mítico quanto o deus irado dos fundamentalistas, que muitos conservadores flertam.

Para mim o problema do conservadorismo reside naquilo que ele é acusado pelos liberais de não ser: racionalista. Na briga contra o liberalismo os conservadores por vezes recorrem às mesmas armas dos seus adversários. Por intermédio de suas teologias sistemáticas caem frequentemente na tentação – como se pudessem - de querer racionalizar a fé, de encapsulá-la em doutrinas insípidas, de reduzi-las a letras mortas que sufocam o espírito fluído da Palavra de Deus. Inclusive caem na presunção de achar que Deus tem compromisso com a instituição religiosa, que Ele está aprisionado nas confissões de fé, nos catecismos, que Ele precisa pedir licença aos concílios para seu Espírito soprar

Sua abordagem as manifestações subversivas do Espírito Santo, aos seus sopros que abalam as estruturas doutrinárias e institucionais, por vezes, é tão racionalista quanto à dos liberais modernos. Digo os modernos, porque os pós-modernos ou neoliberais, são receptivos a diversidade das expressões religiosas, a apreciação estética delas, suas vivências emocionais, o que não significa necessariamente que acreditem na autenticidade espiritual delas ou que validem o sistema de crenças do qual derivam.

Os conservadores precisam se lembrar sempre que por mais racionalmente defensável que seja a Bíblia, por mais provas científicas que se tenha a favor dos eventos narrados nela, o que fundamenta uma fé autêntica é a experiência com Jesus Cristo, a Palavra de Deus, perante a qual as Escrituras do antigo e do novo testamento estão subordinadas na sua interpretação. Experiência consciente para muitos e inconsciente para alguns outros.

Uma teologia bem elaborada racionalmente pode servir para o crescimento na Fé, no conhecimento da revelação, e para o testemunho público do Evangelho. O que é grande valia afinal, a razão é um dom de Deus a serviço também da Fé. Entretanto, a razão por si mesma, por mais bem intencionada e desprovida de preconceitos que esteja pode levar ao conhecimento de Jesus segundo a carne, do “Jesus histórico” procurado pelos liberais, mais jamais ao Cristo, porque esse só é conhecido segundo o Espírito.

Benditas mulheres

“No Senhor, todavia, nem a mulher é independente do homem, nem o homem independente da mulher. Porque, como provém a mulher do homem, assim também o homem é nascido da mulher; e tudo vem de Deus” (I Coríntios 11.11-12).

Sexista e patriarcal. Estes são os dois predicados costumeiramente empregados por humanistas seculares e cristãos feministas, para (des) qualificar o sujeito histórico, cristianismo. Se pensarmos o cristianismo como uma máquina política e cultural de caráter ideológico, engendrada pelo imperador romano Constantino (272 – 337), que promoveu a legalização da fé cristã que, posteriormente, em 390, sob o império de Teodósio, veio a se tornar a religião oficial do império, podemos concordar em parte.

Como um instrumento de coesão e coação social a serviço do império, o cristianismo incorporou elementos do patriarcalismo e do paganismo e greco-romano – cultura dominante da época -, que colocavam a mulher numa posição subalterna, sem direito e cidadania, como mero adereço da estética social. Ao longo de sua história o alto e o médio escalões de sua burocracia ficaram quase que restritos aos homens. Nos âmbito, ético e jurídico, o tratamento dado às mulheres se caracterizou pelo rigor implacável diante de infrações que quando cometidas por homens eram relevadas ou tinham sua penalidade atenuada. Dispensa citar exemplos não é?

Por outro lado, se identificarmos a história do cristianismo com a história da Igreja Cristã desde os seus primórdios a história é outra. Historicamente a fé cristã emerge na Palestina, então colônia do Império Romano. No horizonte cultural greco-romano a mulher era propriedade do marido, não tinha direito, cidadania. Os bens que eventualmente possuía eram passados ao controle do seu marido assim que casava. Inclusive os bens de seu ventre. O aborto e o infanticídio de meninos deficientes e meninas deficientes ou não (que eram legal e moralmente aceitos, já que a procriação visava o fornecimento de recursos humanos para o exército) era um direito do marido. Ele podia também divorciar-se de sua esposa assim que desejasse, sem nenhum ônus ao seu patrimônio, sem precisar pagar pensão ou indenização. Já à mulher, se quisesse se divorciar, teria que pedir ao seu pai ou a algum homem que apresentasse a petição no tribunal.

É neste ambiente opressor e sexista que o movimento cristão protagonizado por homens e mulher, inspirados na mensagem libertária do Evangelho de Jesus Cristo pregam uma contracultura e começam por promovê-la nos seus arraias.

Entre os gregos e os romanos reinava a morte, mas entre os cristãos a vida. Na igreja nem o homem e nem o Estado podiam obrigar a mulher a abortar ou cometer infanticídio, seja de menino ou de menina, porque a vida era considerada sagrada, desde o ventre materno. Independente do gênero, um dom inviolável, que só Deus podia retirar.

Entre os gregos e os romanos reinava o sexismo, o machismo, entre os cristãos a equidade sexual. Pois, como disse Paulo, em Cristo não há mais judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher, mas todos são um Nele (Gálatas 3.28). Ao proibir o divórcio, exceto em caso de adultério ou de abandono do lar, baseado no ensinamento de Jesus (que para ser corretamente entendido é preciso compreender a o contexto histórico), a igreja promovia uma medida de proteção social a mulher, que na sociedade greco-romana o homem podia usar, abusar e descartar sem pagar nenhum preço por isso.

Nos tribunais romanos, nas assembléias gregas e nas sinagogas as mulheres não tinham vez, nos templos pagãos elas eram prostitutas cultuais, mas na igreja elas eram profetisas, como as filhas de Felipe, o evangelista (Atos 21.8-9), diaconisas, como Febe (16.1), e missionárias, como Priscila e Junias (Atos 18.26; Romanos 16.3,7) além de constituir a maioria.


E não poderia ser diferente conforme a igreja se espelhava no exemplo de seu Mestre. Jesus escandalizou a moral religiosa judaica da sua época por ser amigo de mulheres, conversar a sós com elas e se hospedar na casa delas, como ocorreu na casa das irmãs Marta e Maria. A mesma Maria que ousou adorar a Jesus de maneira extravagante regando seus pés com lágrimas, enxugando-os com seus cabelos e beijando-os. Gestos considerados indecorosos pelo apelo erótico que insinuava. Uma mulher judia decente só podia soltar seus cabelos na presença de seu marido. Quem andava com os cabelos soltos em público e tocava outros homens eram as prostitutas. Jesus, todavia, acolhe o gesto de adoração e censura a censura do fariseu que duvidou Dele por deixar ser tocado por uma prostituta.

Causou espanto maior - inclusive para seus discípulos – quando foi visto conversando a sós com uma mulher samaritana (João 4.1-30) - os samaritanos eram considerados impuros pelos judeus por terem se miscigenados culturalmente e religiosamente -, que para “piorar” já tinha sido casada cinco vezes e atualmente estava amasiada. A própria mulher se surpreendeu com a ousadia de Jesus, um judeu, pedir água a ela. Jesus, porém, quebrou preconceitos e se revelou a ela como o Messias, a água viva que desce do trono de Deus para saciar a sede da humanidade.

No seu ministério Jesus se fez acompanhar de mulheres (Lucas 8.1-3), como Maria Madalena, ex-prostituta e da qual expeliu sete demônios, Joana, esposa de Cuza, procurador de Herodes, rei da Judéia, e Susana que contribuíam também com seus bens.

As primeiras testemunhas de sua ressurreição foram mulheres, Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé (Marcos 16.1-6). Eis uma ironia de Deus, designar mulheres como testemunha da ressurreição de Jesus, apesar do testemunho delas na época ter pouco crédito.

Como encarnação de Deus usou as imagens femininas da galinha (Mateus 23.37-38), que queria ajuntar seus pintinhos sob suas asas, para ilustrar o seu desejo insatisfeito de ter o povo judeu no seu ninho. E da mulher (Lucas 15.8-10), que tem dez (número que junto com seus múltiplos simboliza a totalidade) dracmas (moeda grega que equivalia o pagamento de um dia de trabalho), mas que quando perde uma, varre a casa cuidadosamente até achá-la e, quando acha, reúne suas amigas para comemorar, para ilustrar que o amor de Deus pelos seus filhos leva-o a ir atrás deles quando se eles se perdem.

Quanto a não incomum indagação do por que Jesus não ter chamado nenhuma mulher para integrar o colégio apostólico, considero uma presunção julgar Jesus como uma estupidez querer defendê-lo. Jesus entrou em rota de colisão com a moral religiosa da sua época ao inserir as mulheres como protagonistas da história. Poderia também colocá-las como apóstolas, mas não colocou. O porquê disso é um mistério, ele é Deus, age como quer e cabe a nós acatar. Ou será que nossas filosofias humanistas e igualitárias, são mais sábias e mais justas que a Palavra de Deus, a saber, Jesus Cristo?

Amigo é nas horas boas também

Dizer que são nas dificuldades que se conhecem os verdadeiros amigos há muito se tornou lugar-comum, clichê dito por sábios e ignorantes, coisa que “todo mundo” sabe. E sempre que isso acontece, a máxima (?) precisa ser questionada ou, ao menos, relativizada, porque a generalidade que com que é usada já a tornou banal, rasa e abstrata. A concretude que lhe deu vida já foi perdida de vista. Virou um consolo barato, uma frase pronta e rápida para encerrar uma escuta lamuriosa.

A minha relativização a essa máxima não visa desqualificá-la, é inegável que ela encerra verdade, se bem que para mim as dificuldades serviram e servem mais para confirmar amizades do que para peneirá-las, para identificar quem é e quem não é amigo. Eu sou daqueles que acredito que uma pessoa pode ser querida e uma companhia festiva, mas não necessariamente uma pessoa amiga. Vejo que muitas decepções com gente considerada amiga poderia ser evitada, se as pessoas fossem menos românticas e mais criteriosas para qualificar qualquer relação gostosa como amizade. E não vejo nenhum utilitarismo nisso, desde que haja espontaneidade e coração aberto, para o que vai se abrir ou se fechar. Para ser uma amizade é preciso passar junto o verão, o outono, o inverno e a primavera.

O que eu viso com essa relativização é mostrar que as dificuldades, desde problemas pequenos até tragédias, muitas vezes são ocasiões para gestos bem-intencionados de egocentrismo solidário. Falo daquelas pessoas que só conseguem ser solidárias no câncer. De gente que sente sua carga aliviada, sua pressão interna por superação diminuída quando percebe que o outro está fragilizado. E ao solidarizar-se com esse outro se sente fortalecida emocionalmente.


Não! Não falo de pessoas que sentem prazer consciente no sofrimento alheio ou que se aproveita da situação para “tocar trombeta” de sua generosidade. Falo, pelo contrário, de pessoas que tem a maior boa vontade para ouvir o desabafo do outro, para acolhê-lo na sua dor, que se põe a disposição para ajudar naquilo que for preciso e possível para ela, mas que quando o outro se reergue, sua economia emocional se abala, o seu complexo de inferioridade se acentua e o seu empenho solidário se esfria. E isso acontece não necessariamente por inveja ou ciúme, mas muitas vezes porque ela se sente pequena demais ou desejável de menos para estar na festa, para celebrar o banquete das almas.

Por causa disso que eu proponho uma outra máxima quase contrária a máxima citada: “são nas alegrias que nós conhecemos os verdadeiros amigos também”. Um amigo verdadeiro é aquele que está com você não só quando as nuvens estão cinzentas, quando a tormenta se avizinha ou quando a tempestade cai, mas também quando a brisa mansa paira na atmosfera, quando o sol está dourado, quando “os montes e os outeiros rompem em cânticos diante de nós e todas as árvores do campo batem palma”. É aquele que está disposto a não só “chorar com os que choram”, mas também a se “alegrar com os que se alegram” e “cantar louvores” com ele, e que está presente na casa onde há luto, mas também na casa onde há festa; ou seja, uma amizade verdadeira é aquela em que há sintonia de alma e compartilhamento mútuo das alegrias e conquistas.

Que Deus nos conceda em Cristo a graça de partilharmos sem constrangimento, sem falso pudor, com amizade, com sinceridade de alma da alegria do outro, e que isso produza em nós um encorajamento para uma vida abundante.

A vida como ela é

Uma dose média de realismo é suficiente para nossa consciência se certificar que a vida não é ideológica, ela não é como deveria ser ou como a gente gostaria que fosse, a vida é como ela é. Certamente alguém há de pensar com razão, “mas se todos pensassem assim, os negros ainda seriam escravos, não poderiam freqüentar os mesmos lugares que os brancos, os operários continuariam trabalhando mais de 12 horas por dia em condições insalubres e sem direitos trabalhistas, a mulher continuaria privada de cidadania plena, as bruxas e os “cientistas hereges” ainda iriam para a fogueira, a natureza estaria praticamente cimentada, e a pobreza estaria mais vergonhosa e clamorosa do que está”.

Não! Não se trata de conformismo, de resignação. Muitos menos de sutilmente legitimar as injustiças sociais, de ter uma postura cínica diante da desgraças da vida, ou de sugerir algo na linha de que “os fins justificam-se os meios”. Trata-se, sim, de admitir que para melhorarmos nossa vida e encontrarmos respostas relativamente eficazes para os problemas do mundo é preciso fazer um diagnóstico realista. E isto implica reconhecer que a realidade nua e crua geralmente não é bonita, ou pelo menos não reflete a beleza que nossos olhos querem enxergar nela.

A realidade é que negros, brancos, amarelos e mestiços, os ricos, a classe média e os pobres, os homens e as mulheres compartilham, em maior ou menor grau, das mesmas virtudes e dos mesmos vícios. Por isso, o desencantamento é genérico. O romantismo é desmistificado, pois a realidade mostra que nem sempre os que militam em prol das causas populares, em favor dos pobres e oprimidos, o fazem por empatia por eles ou por fome e sede de justiça; mas o fazem simplesmente por desejo de ascensão social e de se projetar politicamente. Como há também os que fazem por marketing social, para aliviar a consciência ou por ressentimento contra burguesia que eles queriam pertencer.

A realidade é "desideológica" e desmistificadora porque mostra que há mulheres – porque incrível que pareça até feministas – que gostam de ser “mulher de malandro”; que há negros que quando prosperam economicamente - às vezes usando o movimento negro para isso – tornam sua alma branca; que há homossexuais assumidos, homofóbicos e tarados; que há ecologistas que desmatam para construir suas casas; que há defensores dos direitos humanos que quando são ou alguém de sua família é assaltado pedem para o policial dar uma surra no bandido; que há índios traficantes e contrabandistas; que há budistas fanáticos que destroem templos cristãos; que há teólogos da libertação e padres de passeata que cobram cachês milionários para palestrar contra as mazelas do capitalismo e ridicularizar seus colegas pop star encantados pela sociedade de consumo; que há pastores que criticam a institucionalização da igreja, o mercado gospel, os seus colegas mercadores da teologia da prosperidade, que hasteiam a bandeira da ética, pregam uma quebra de paradigmas e uma reforma na igreja evangélica, mas que na sua prática ministerial se apegam com “unhas e dentes” aos seus postos na maquina eclesiástica, entregando até a “cabeça” de seus colegas - se preciso for -; e, submetem sua equipe ministerial a um plano de metas e a avalia segundo critérios de produtividade estatística com a frieza característica de um gestor de recursos humanos.


Como sou cético em soluções plenamente eficazes para os problemas da humanidade e cada vez menos otimista e romântico em relação ao ser humano, cada vez menos, me abalo e me surpreendo com suas sombras e seus esqueletos. Tampouco me apego a isso para desmoralizar causas sagradas e direitos legítimos, como a promoção social dos mais pobres, a luta contra a discriminação étnica, racial e de gênero, e a preservação do meio ambiente. A verdade de uma causa não se torna mentira socialmente falando por que quem a advoga o faz por motivos mesquinhos.

Estou certo que na vida numa grande parte das vezes não é possível escolher entre o ótimo e o bom, tampouco o que é o excelente e o que é péssimo se apresentam, muitas vezes, bem diferenciados. Não poucas vezes – se não na maioria delas – escolhemos entre o razoável e o ruim, quando não entre o ruim e o horrível.

Quando lembro que o regime que mais matou gente na história – o comunismo - foi o que prometia a erradicação da pobreza, a eliminação das classes e das injustiças sociais, de toda exploração humana, e a construção de uma nova humanidade que produziria uma sociedade livre, justa e harmônica, seguindo o lema, “De cada um segundo suas possibilidades e a cada um conforme suas necessidades”, meu ceticismo se acentua e se acrescenta a ele um pouco de temor.

Por isso, quando percebo alguém acreditar ter sido encontrada a chave da história, a panacéia para os males da humanidade, ao meu ceticismo se acrescenta uma dose de temor. Afinal sempre que alguém acreditou tê-la encontrado se convenceu de que tinha licença ética para varrer e limpar do mapa os obstáculos para a solução final.

Acredito, sim, que o mundo pode ser melhor, que a viver vale a pena, que é vital, doses de romantismo para viver e ou, pelo menos, sobreviver, que um realismo excessivo é humanamente insuportável. Mas descreio radicalmente que seja possível ter uma existência autêntica e uma vida saudável acreditando que ela pode ser sempre uma festa, uma balada por dia, que a gente pode estar sempre na crista da onda, que o mundo pode e tem que ser do jeito que a gente quer, que todas nossas fantasias podem se tornar realidade.

Eu descreio simplesmente porque nunca conheci ninguém que tenha evoluído, que tenha tido um crescimento sustentável na vida sem superar suas fantasias e protestos infantis ou por ter se revoltado contra o universo porque ele não conspirava a seu favor. Se alguém conhece, por favor, me apresente.

O feminino e o sagrado

O relato da criação afirma que Deus à sua imagem e semelhança, criou homem e mulher (Gênesis 1.26-30), o que quer dizer que sua natureza incorpora o feminino e o masculino. Embora se revele como pai, Deus se compara também a uma mãe que consola (Isaías 66.13) e que jamais se esquece de seus filhos (Isaías 49.15).

O feminino aparece de modo reluzente na revelação do povo de Deus. Sua igreja é descrita como uma ex-prostituta que é tomada e transformada por Ele numa mulher bela e formosa, para ser apresentada como uma noiva adornada para o cordeiro - Jesus Cristo (Ezequiel 16.1-14; Apocalipse 21.2).

Na vida de Jesus o feminino também se mostra resplandecente. A começar de sua genealogia relatada por Mateus (Mateus 1.1-12), na qual, contrariando a cultura da época, inclui o nome de quatro mulheres: Tamar, Raab, Rute e Maria. Nasce de uma concepção virginal de Maria. A seu pedido transforma a água em vinho (João 2.1-11). Compadece-se da dor de suas amigas, Marta e Maria, pela morte de Lázaro, seu irmão, que também era seu amigo, e o ressuscita (João 11.1-46). Escandaliza a moral de sua época ao conversar a sós com uma mulher, causando maior surpresa ainda por ser samaritana – os samaritanos eram considerados pelos judeus um povo impuro por terem se miscigenizados culturalmente - , e revela a ela o seu poder causando espanto até nos discípulos (João 4.27). No seu ministério se faz acompanhar de mulheres, como Maria Madalena, Joana, Suzana e Maria, mãe de Tiago (Lucas 8.1-3; 23.49). E as primeiras testemunhas de sua ressurreição são mulheres (Lucas 24.6-10), contrariando o bom senso, já que o testemunho de uma mulher não tinha validade jurídica.

O apóstolo Paulo sintetiza a mensagem revolucionária de Jesus num ato de transcendência ao condicionamento sociocultural na qual estava inserido (no qual a mulher era situada numa condição subalterna ao homem) afirmando que em Cristo não existe homem nem mulher, judeu nem grego, escravo nem livre, mas todos somos um (Gálatas 3.28). Alias quem diz isso é o mesmo apóstolo estigmatizado por muitos como machista, devido algumas declarações suas ou que foram atribuídas a ele, proibindo a mulher de falar na Igreja (I Coríntios 14.34-36). O mesmo também que surpreende a moral religiosa e secular de seus contemporâneos, judeus e gregos, ao reconhecer que a sexualidade na mulher existe também para obtenção de prazer pessoal e não somente para procriar e saciar o apetite libidinal do homem: “A mulher não tem poder sobre o seu próprio corpo, e sim o marido; e também, semelhantemente, o marido não tem poder sobre o seu próprio corpo, e sim a mulher (I Coríntios 7.4)”.

Que a Igreja de Cristo possa proclamar as verdades revolucionárias de Cristo, para que as pedras não precisem mais clamar, se apropriando de verdades que caberia a ela primordialmente proclamar. Afinal, o Espírito Santo foi derramado sobre toda a carne, sobre homens e mulheres, e distribuiu diversos dons para ambos ministrarem o Evangelho (Joel 2.28-29; Atos 2.1-21).

Ceu e inferno: você foi salvo do quê?

Céu e Inferno: você foi salvo do quê?
O apelo clássico do evangelismo diz que é preciso aceitar a Jesus como único salvador para ir para o céu, passar a eternidade no paraíso. Os pregadores mais inflamados reforçam o apelo alertando sobre a vida póstuma daqueles que recusam a Cristo e desobedecem aos seus mandamentos: fogo eterno, lago que arde fogo e enxofre, lugar de choro e ranger de dentes. Opa, não esqueci, os calvinistas não usam a expressão “aceitar a Jesus” porque crêem que é Deus que nos aceita em Cristo, somos predestinados por Ele para a salvação, logo não é o ser humano que voluntariamente decide ser salvo.

Afinal, como poderia, fui catequizado na Igreja Presbiteriana do Brasil. E digo mais, continuo não gostando dessa expressão nos termos em que ela costuma ser colocada, como se Jesus estivesse esmolando nosso amor. Creio, sim, que é Jesus que nos aceita por e em amor e graça, não mais, porém, me baseio num sistema de pensamento rígido e mecanicista. Não tenho mais a pretensão de resolver o paradoxo entre soberania de Deus e liberdade humana, paradoxo não é para ser resolvido é para ser crido pela fé. A Palavra de Deus não é para ser explicada, racionalizada, é para ser vivida. E Deus é soberano inclusive sobre sua soberania.

Ressalvas a parte, na prática o que fica na cabeça do indivíduo que ouve a mensagem evangelística é que é preciso professar a fé em Cristo e seguir seus mandamentos para garantir a salvação. Mas que salvação é essa? Eu sou salvo do quê e para quê? Em termos práticos muda alguma coisa na minha existência terrena, confere alguma vantagem ou é algo que diz respeito apenas à vida após a morte?

Questões como essas inquietam e não encontra respostas satisfatórias que nos façam desejar ardentemente materializar o Espírito do novo céu e da nova terra na ordem temporal, e aplaquem o medo da morte, se nossa visão da salvação se restringe a uma mudança geográfica. Imaginem irmos para o céu com nosso jeito de ser, com nossas dissonâncias psíquicas, nossas esquisitices, nossos desatinos, carregados do nosso lixo emocional. Projetaríamos mutuamente nossas sombras e, assim, logo infernizaríamos o céu, não haveria paraíso que resistisse. Já imaginou ter que passar a eternidade na companhia de crente chato? Só seria melhor do que ser tragado pelo inferno.
É melhor não imaginar, mas crer que a salvação de Jesus é integral, que além de nos salvar de uma geografia tenebrosa, ele nos salva de um estado de ser tenebroso. Salva-nos de nossa natureza obscura que sombreia sua luminosidade em nós e turva nossa visão, dificultando que enxerguemos a sua imagem na criação decaída e nos mobilizemos para resgata-la, imprimindo as marcas do Reino. Da mesma obscuridade que, por vezes, nos dessensibiliza da dor do nosso semelhante, ergue barreiras ao contato com o próximo, mata nossa fome e sede de justiça, ensoberbece-nos em nossas vaidades e em nossos pretensos méritos, mitiga a nossa gratidão àqueles que já nos nutriram com amor, acarreta culpa e impede de gozarmos a vida nas suas possibilidades reais de gozo e torna a vida um fardo pesado.

Àqueles que não buscam a atualização dessa salvação existencial, não por intermédio de práticas ascéticas, e sim por meio de uma entrega radical ao amor e a graça de Cristo, existencialmente “gozam” do prelúdio do inferno, independentemente do indivíduo ser crente ou descrente. No primeiro caso ele vai clamar a Deus para tirá-lo da tribulação ou para tirar-lhe a vida. A morte é entendida aí como a última e única porta para a salvação, o tiro de misericórdia. No segundo caso, se um cristão, seja ele manso ou raivoso, disser a ele, que é preciso aceitar a Jesus, senão irá para o inferno, ele não ficará impressionado e responderá com uma forte dose de razão que o inferno é aqui e se prontifica até à levá-lo até lá para que possa conhecer, pois provavelmente ele se encontra em sua própria casa.

Porém, a salvação não é apenas uma operação de subtração, é também de adição, divisão e multiplicação. Jesus adiciona em nós um novo ser - ao desinstalar o velho ser, o não-ser -, que autenticado em amor, é chamado para dividir os frutos materiais e simbólicos do reino e assim ter a sua colheita multiplicada. Para se deleitar como membro de um corpo coletivo e harmonioso, que tem um Pai que é nosso.

Que Deus nos conceda sabedoria para selecionar o material que temos que utilizar para edificar nossa casa espiritual – nossa salvação -, porque o alicerce, Jesus Cristo, já nos foi dado. O tempo mostrará, através do fogo depurador, se o que estamos usando é ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno ou palha (I Coríntios 3.10-15). Deus permita que nossa salvação não seja pelo fogo.

O caminho da individuação e da conversão

“Quem caminha em direção a si mesmo corre o risco do encontro consigo mesmo. O espelho não lisonjeia, mostrando fielmente o que quer que nele se olhe; ou seja aquela face que nunca mostramos ao mundo, porque a encobrimos com a persona, a máscara do ator”. (Carl Gustav Jung, grifo nosso)

O “conhecer-te a ti mesmo” segundo Jung passa inevitavelmente pelo caminho da individuação. Mas que caminho é esse? É o caminho rumo a diferenciação do sujeito como ser singular que paradoxalmente passa pelo (re) encontro de sua consciência com o inconsciente.

O ser humano, segundo o olhar junguiano, é primariamente instintivo, ele nasce com um patrimônio biológico que ao nível psíquico inconsciente se apresenta como arquétipos - matrizes concentradoras de potenciais energéticos – que convertidos em trabalho, em interação com o ambiente sócio-cultural, geram as imagens oníricas, os mitos, os símbolos, as obras de arte, as personagens de nossas fantasias, ficções, idealizações, etc.

Os arquétipos são os fatores psíquicos que estruturam e coordenam o desenvolvimento da nossa personalidade. Eles são os conteúdos da camada mais profunda da nossa alma – totalidade psíquica -, onde a nossa individualidade é diluída no vasto oceano da humanidade, de híbridos sentimentos, paixões e emoções, a saber: o inconsciente coletivo. Por que híbridos? Porque os afetos humanos não são puros misturam amor e ódio, inveja e gratidão, solidariedade e egoísmo, etc. Por que coletivo? Porque é um substrato comum da humanidade que perpassa as diferenças étnicas e culturais.

A consciência emerge do nosso “vasto oceano” como uma ilha, que é banhada por suas águas, alimentada pela luz solar e “perseguida” pela sombra. Como um sistema adaptativo, cujo centro é o ego, a consciência nos orienta na interação com o ambiente, diferenciando funções como o pensamento, sentimento, sensação e intuição, outrora imersas numa alma instintiva, inconsciente e indiferenciada. Por ser um sistema por natureza aberto – embora o ego por vezes queira estreita-la - é irrigada de dentro – por intermédio da energia psíquica inconsciente – de fora – mediante as estimulações do ambiente.

Ao emergir do inconsciente a consciência adquire energia própria – que é gerenciada pelo ego -, o que não quer dizer que deixe de ser abastecida por sua fonte energética primária, o self. A saúde da alma depende de como o ego gerenciará os recursos energéticos. De sua sabedoria para discernir os momentos de poupar e de investir, de introversão e de extroversão, de sublimação e de canalização natural da libido – energia psíquica. Uma gerencia deficiente terá como sintoma uma consciência raquítica, árida, com baixa imunologia e, por conseguinte, sofre freqüentes quedas de energia e até apagões.

Como co-morbidade desse estado surgem os complexos, que acabam por retroalimentá-lo. Como um corpo estranho na nossa alma os complexos têm sua etiologia em episódios traumáticos e no recalque de tendências pessoas reprimidas pelo meio ou pela autocensura do sujeito. Eles se manifestam através de sentimentos de inferioridade, inadequação, vergonha, idéias fixas, pensamentos obsessivos etc. Formados por fragmentos psíquicos dotados de energia própria, imersos no inconsciente pessoal, eles possuem variável grau de autonomia à vontade consciente. Esta pode reprimi-los temporariamente, mas se não procurar dialogar, enfrentar e derrota-lo mediante o confronto direto, eles reaparecerão como adversários cada vez mais potentes.

No caminho da individuação o enfrentamento dos complexos e a integração dos afetos não surtirão efeito no sujeito se ele não se despojar de sua persona (termo latino para máscara). Não que ela seja um mal em si, pelo contrário ela tem sua utilidade como acessório, como instrumento de adaptação a serviço dos papéis sócias que representamos, ela se torna nociva quando o sujeito se identifica com ela, ao ponto, de confundi-la com sua face. Ele passa acreditar que é aquele personagem que ele representa. Ou quando ele passa a viver em função da mascara, de sua manutenção, por status e assim ser respeitado no grupo no qual ele representa.

Seja por que motivo tenha sido instalada ou à qual função esteja exercendo, a persona precisa ser despojada do indivíduo para que ele possa contemplar sua própria face e avançar no processo de individuação.

Por ser um processo e não um estado, a individuação jamais atingira ao seu “nirvana”, a sua plenitude - exceto para àqueles que crêem na morte como reencontro com a totalidade do ser – e porque nossa psique não é linear, ela opera por intermédio de processos dinâmicos, por isso sempre haverá necessidade de transformação para nosso bem-estar.

Como psicólogo creio que a estabilidade emocional, ou melhor, um equilíbrio psíquico satisfatório (para o indivíduo e não necessariamente para o grupo) requer o percurso do caminho da individuação. Um caminho que atravessa estradas acidentadas e desérticas, e tentar evita-las, pelos atalhos, a despeito do momentâneo alívio e refresco, só retardará o processo além de aumentar a quilometragem do percurso. Já como cristão creio a individuação não transformará todo seu potencial em trabalho, nas levará o individuo a melhor condição emocional que ele pode se encontrar, se não vier acompanhada de um encontro com Jesus Cristo. Encontro que atualiza no indivíduo perdão, amor e graça para salvação para a vida depois da morte e para a vida antes da morte. Quem viveu entenda e quem tem ouvidos para ouvir ouça!