sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Benditas mulheres

“No Senhor, todavia, nem a mulher é independente do homem, nem o homem independente da mulher. Porque, como provém a mulher do homem, assim também o homem é nascido da mulher; e tudo vem de Deus” (I Coríntios 11.11-12).

Sexista e patriarcal. Estes são os dois predicados costumeiramente empregados por humanistas seculares e cristãos feministas, para (des) qualificar o sujeito histórico, cristianismo. Se pensarmos o cristianismo como uma máquina política e cultural de caráter ideológico, engendrada pelo imperador romano Constantino (272 – 337), que promoveu a legalização da fé cristã que, posteriormente, em 390, sob o império de Teodósio, veio a se tornar a religião oficial do império, podemos concordar em parte.

Como um instrumento de coesão e coação social a serviço do império, o cristianismo incorporou elementos do patriarcalismo e do paganismo e greco-romano – cultura dominante da época -, que colocavam a mulher numa posição subalterna, sem direito e cidadania, como mero adereço da estética social. Ao longo de sua história o alto e o médio escalões de sua burocracia ficaram quase que restritos aos homens. Nos âmbito, ético e jurídico, o tratamento dado às mulheres se caracterizou pelo rigor implacável diante de infrações que quando cometidas por homens eram relevadas ou tinham sua penalidade atenuada. Dispensa citar exemplos não é?

Por outro lado, se identificarmos a história do cristianismo com a história da Igreja Cristã desde os seus primórdios a história é outra. Historicamente a fé cristã emerge na Palestina, então colônia do Império Romano. No horizonte cultural greco-romano a mulher era propriedade do marido, não tinha direito, cidadania. Os bens que eventualmente possuía eram passados ao controle do seu marido assim que casava. Inclusive os bens de seu ventre. O aborto e o infanticídio de meninos deficientes e meninas deficientes ou não (que eram legal e moralmente aceitos, já que a procriação visava o fornecimento de recursos humanos para o exército) era um direito do marido. Ele podia também divorciar-se de sua esposa assim que desejasse, sem nenhum ônus ao seu patrimônio, sem precisar pagar pensão ou indenização. Já à mulher, se quisesse se divorciar, teria que pedir ao seu pai ou a algum homem que apresentasse a petição no tribunal.

É neste ambiente opressor e sexista que o movimento cristão protagonizado por homens e mulher, inspirados na mensagem libertária do Evangelho de Jesus Cristo pregam uma contracultura e começam por promovê-la nos seus arraias.

Entre os gregos e os romanos reinava a morte, mas entre os cristãos a vida. Na igreja nem o homem e nem o Estado podiam obrigar a mulher a abortar ou cometer infanticídio, seja de menino ou de menina, porque a vida era considerada sagrada, desde o ventre materno. Independente do gênero, um dom inviolável, que só Deus podia retirar.

Entre os gregos e os romanos reinava o sexismo, o machismo, entre os cristãos a equidade sexual. Pois, como disse Paulo, em Cristo não há mais judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher, mas todos são um Nele (Gálatas 3.28). Ao proibir o divórcio, exceto em caso de adultério ou de abandono do lar, baseado no ensinamento de Jesus (que para ser corretamente entendido é preciso compreender a o contexto histórico), a igreja promovia uma medida de proteção social a mulher, que na sociedade greco-romana o homem podia usar, abusar e descartar sem pagar nenhum preço por isso.

Nos tribunais romanos, nas assembléias gregas e nas sinagogas as mulheres não tinham vez, nos templos pagãos elas eram prostitutas cultuais, mas na igreja elas eram profetisas, como as filhas de Felipe, o evangelista (Atos 21.8-9), diaconisas, como Febe (16.1), e missionárias, como Priscila e Junias (Atos 18.26; Romanos 16.3,7) além de constituir a maioria.


E não poderia ser diferente conforme a igreja se espelhava no exemplo de seu Mestre. Jesus escandalizou a moral religiosa judaica da sua época por ser amigo de mulheres, conversar a sós com elas e se hospedar na casa delas, como ocorreu na casa das irmãs Marta e Maria. A mesma Maria que ousou adorar a Jesus de maneira extravagante regando seus pés com lágrimas, enxugando-os com seus cabelos e beijando-os. Gestos considerados indecorosos pelo apelo erótico que insinuava. Uma mulher judia decente só podia soltar seus cabelos na presença de seu marido. Quem andava com os cabelos soltos em público e tocava outros homens eram as prostitutas. Jesus, todavia, acolhe o gesto de adoração e censura a censura do fariseu que duvidou Dele por deixar ser tocado por uma prostituta.

Causou espanto maior - inclusive para seus discípulos – quando foi visto conversando a sós com uma mulher samaritana (João 4.1-30) - os samaritanos eram considerados impuros pelos judeus por terem se miscigenados culturalmente e religiosamente -, que para “piorar” já tinha sido casada cinco vezes e atualmente estava amasiada. A própria mulher se surpreendeu com a ousadia de Jesus, um judeu, pedir água a ela. Jesus, porém, quebrou preconceitos e se revelou a ela como o Messias, a água viva que desce do trono de Deus para saciar a sede da humanidade.

No seu ministério Jesus se fez acompanhar de mulheres (Lucas 8.1-3), como Maria Madalena, ex-prostituta e da qual expeliu sete demônios, Joana, esposa de Cuza, procurador de Herodes, rei da Judéia, e Susana que contribuíam também com seus bens.

As primeiras testemunhas de sua ressurreição foram mulheres, Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé (Marcos 16.1-6). Eis uma ironia de Deus, designar mulheres como testemunha da ressurreição de Jesus, apesar do testemunho delas na época ter pouco crédito.

Como encarnação de Deus usou as imagens femininas da galinha (Mateus 23.37-38), que queria ajuntar seus pintinhos sob suas asas, para ilustrar o seu desejo insatisfeito de ter o povo judeu no seu ninho. E da mulher (Lucas 15.8-10), que tem dez (número que junto com seus múltiplos simboliza a totalidade) dracmas (moeda grega que equivalia o pagamento de um dia de trabalho), mas que quando perde uma, varre a casa cuidadosamente até achá-la e, quando acha, reúne suas amigas para comemorar, para ilustrar que o amor de Deus pelos seus filhos leva-o a ir atrás deles quando se eles se perdem.

Quanto a não incomum indagação do por que Jesus não ter chamado nenhuma mulher para integrar o colégio apostólico, considero uma presunção julgar Jesus como uma estupidez querer defendê-lo. Jesus entrou em rota de colisão com a moral religiosa da sua época ao inserir as mulheres como protagonistas da história. Poderia também colocá-las como apóstolas, mas não colocou. O porquê disso é um mistério, ele é Deus, age como quer e cabe a nós acatar. Ou será que nossas filosofias humanistas e igualitárias, são mais sábias e mais justas que a Palavra de Deus, a saber, Jesus Cristo?

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