sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Jesus segundo a carne

Teólogos, filósofos e cientistas se lançaram desde o século 19 num vultoso empreendimento em busca do “Jesus histórico” que estaria escondido sob a face do “Cristo da fé”, que nada mais seria que uma produção dos primeiros cristãos, fruto da consciência pré-científica deles. Eles teriam projetado no personagem histórico as imagens míticas de sua alma primitiva e, depositado nele, suas expectativas messiânicas.


O Jesus histórico não poderia ter curado cegos, leprosos e paralíticos, ressuscitado Lázaro e a filha de Jairo, multiplicado pães e peixes, andado sobre o mar e acalmado a tempestade. Tampouco teria nascido de uma virgem e ressuscitado. Mentes brilhantes e ilustradas não poderiam conceber a realidade factual desses relatos.

Na melhor das hipóteses seriam retratos alucinados feitos por mentes entorpecidas pela performance de um homem carismático, dotado de paranormalidade e avançado em truques de magia. E na pior das hipóteses seriam estórias conscientemente forjadas pelos discípulos de Jesus. Decepcionados pela morte trágica e humilhante de seu mestre, em nome de quem abandonaram seus empregos e deixaram em segundo plano suas famílias, eles teriam inventado uma estória para servir de pretexto para a fundação de uma nova religião, que lhes serviria de meio de sobrevivência financeira e psicológica. Envergonhados que estavam por terem entrado no delírio de Jesus de que ele era o “Filho de Deus”, o “Messias” prometido a Israel, os discípulos precisavam contornar os fatos para terem “como olhar na cara” das pessoas.

Nessa epopéia em busca do Jesus histórico, o que de mais valioso foi achado sob as camadas da mitologia e os escombros da história, e reconstruído à luz da aurora da razão, da maioridade da consciência, foi um líder religioso, protótipo da ética. Um judeu heterodoxo que tinha uma consciência profunda de Deus, que chegou ao ápice da compreensão do sentido da vida, e que foi morto por causa da radicalidade em que vivia aquilo que acreditava.

O fluxo plural da pós-modernidade impulsionado pelo mercado abriu novos canais para acessar o Jesus histórico e conhecê-lo segundo a carne. Descobriu-se que ele foi “o maior psicólogo”, “o maior executivo”, e “o maior líder” que existiu, além de ser “o melhor educador da história”. O mercado literário logo percebeu na diversidade de imagens de Jesus um alto valor venal.

Mas não é necessário desmistificar Jesus de Nazaré, despi-lo do Cristo, desacreditar sua divindade, para conhecê-lo apenas segundo a carne. Quando a religião o reduz a um ídolo, quando a percepção que tem dele é de um milagreiro, de um “pai-de-santo”, de um orixá ou de um “santo” do catolicismo popular que faz “as coisas acontecerem”. Uma entidade sempre pronta, mediante um bom pagamento, a servir de lobista dos interesses humanos perante Deus, para pressioná-lo a violar as leis da física e os processos humanos naturais e atender as demandas dos mortais. Um deus que sempre oferece um atalho para o fiel, que não o deixa ter seus desejos frustrados, nem ter que arcar com os prejuízos de suas escolhas, ou seja, “um deus que é fiel” aos desejos do coração humano.

Conhecer Jesus segundo a carne, isto é, segundo as possibilidades da inteligência humana, no máximo nos leva a reverenciá-lo como guru, cuja sabedoria se aplicada permite-nos ter uma vida relativamente bem sucedida – o que obviamente não significa uma vida sem problemas; ou temê-lo como uma potestade, como alguém que pode mais, como um super-homem hollywoodiano.

Todavia, se essas projeções humanas de Jesus, mais ou menos sombria, mais ou menos luminosa, não servirem de pretexto para revelação salvadora de Cristo, a Palavra de Deus encarnada, elas jamais poderão por si mesma levar o ser humano a conhecer a Jesus segundo o Espírito, isto é, conhecê-lo como o Cristo e Salvador. Caso contrário ele será apenas o protótipo ético, o maior psicólogo, o maior executivo, o maior líder, o melhor educador e a entidade mais forte. Isto mesmo, apenas sem aspas, porque todas essas imagens são diminutas, nebulosas, se não tiverem como geradora, Jesus, o Salvador.

Pois, conforme diz uma antiga música dos Vencedores por Cristo, “Nada Melhor”, do álbum “Se eu fosse contar”:

Muito embora um só Jesus exista
Nem todos sabem vê-lo como é
Filósofo, poeta ou comunista,
Ou mesmo um hippie já se disse até

Mas Jesus é bem mais importante
Quando se sabe de seu grande amor
E é preciso hoje que se cante
Jesus filho se Deus o Salvador

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