sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

O caminho da individuação e da conversão

“Quem caminha em direção a si mesmo corre o risco do encontro consigo mesmo. O espelho não lisonjeia, mostrando fielmente o que quer que nele se olhe; ou seja aquela face que nunca mostramos ao mundo, porque a encobrimos com a persona, a máscara do ator”. (Carl Gustav Jung, grifo nosso)

O “conhecer-te a ti mesmo” segundo Jung passa inevitavelmente pelo caminho da individuação. Mas que caminho é esse? É o caminho rumo a diferenciação do sujeito como ser singular que paradoxalmente passa pelo (re) encontro de sua consciência com o inconsciente.

O ser humano, segundo o olhar junguiano, é primariamente instintivo, ele nasce com um patrimônio biológico que ao nível psíquico inconsciente se apresenta como arquétipos - matrizes concentradoras de potenciais energéticos – que convertidos em trabalho, em interação com o ambiente sócio-cultural, geram as imagens oníricas, os mitos, os símbolos, as obras de arte, as personagens de nossas fantasias, ficções, idealizações, etc.

Os arquétipos são os fatores psíquicos que estruturam e coordenam o desenvolvimento da nossa personalidade. Eles são os conteúdos da camada mais profunda da nossa alma – totalidade psíquica -, onde a nossa individualidade é diluída no vasto oceano da humanidade, de híbridos sentimentos, paixões e emoções, a saber: o inconsciente coletivo. Por que híbridos? Porque os afetos humanos não são puros misturam amor e ódio, inveja e gratidão, solidariedade e egoísmo, etc. Por que coletivo? Porque é um substrato comum da humanidade que perpassa as diferenças étnicas e culturais.

A consciência emerge do nosso “vasto oceano” como uma ilha, que é banhada por suas águas, alimentada pela luz solar e “perseguida” pela sombra. Como um sistema adaptativo, cujo centro é o ego, a consciência nos orienta na interação com o ambiente, diferenciando funções como o pensamento, sentimento, sensação e intuição, outrora imersas numa alma instintiva, inconsciente e indiferenciada. Por ser um sistema por natureza aberto – embora o ego por vezes queira estreita-la - é irrigada de dentro – por intermédio da energia psíquica inconsciente – de fora – mediante as estimulações do ambiente.

Ao emergir do inconsciente a consciência adquire energia própria – que é gerenciada pelo ego -, o que não quer dizer que deixe de ser abastecida por sua fonte energética primária, o self. A saúde da alma depende de como o ego gerenciará os recursos energéticos. De sua sabedoria para discernir os momentos de poupar e de investir, de introversão e de extroversão, de sublimação e de canalização natural da libido – energia psíquica. Uma gerencia deficiente terá como sintoma uma consciência raquítica, árida, com baixa imunologia e, por conseguinte, sofre freqüentes quedas de energia e até apagões.

Como co-morbidade desse estado surgem os complexos, que acabam por retroalimentá-lo. Como um corpo estranho na nossa alma os complexos têm sua etiologia em episódios traumáticos e no recalque de tendências pessoas reprimidas pelo meio ou pela autocensura do sujeito. Eles se manifestam através de sentimentos de inferioridade, inadequação, vergonha, idéias fixas, pensamentos obsessivos etc. Formados por fragmentos psíquicos dotados de energia própria, imersos no inconsciente pessoal, eles possuem variável grau de autonomia à vontade consciente. Esta pode reprimi-los temporariamente, mas se não procurar dialogar, enfrentar e derrota-lo mediante o confronto direto, eles reaparecerão como adversários cada vez mais potentes.

No caminho da individuação o enfrentamento dos complexos e a integração dos afetos não surtirão efeito no sujeito se ele não se despojar de sua persona (termo latino para máscara). Não que ela seja um mal em si, pelo contrário ela tem sua utilidade como acessório, como instrumento de adaptação a serviço dos papéis sócias que representamos, ela se torna nociva quando o sujeito se identifica com ela, ao ponto, de confundi-la com sua face. Ele passa acreditar que é aquele personagem que ele representa. Ou quando ele passa a viver em função da mascara, de sua manutenção, por status e assim ser respeitado no grupo no qual ele representa.

Seja por que motivo tenha sido instalada ou à qual função esteja exercendo, a persona precisa ser despojada do indivíduo para que ele possa contemplar sua própria face e avançar no processo de individuação.

Por ser um processo e não um estado, a individuação jamais atingira ao seu “nirvana”, a sua plenitude - exceto para àqueles que crêem na morte como reencontro com a totalidade do ser – e porque nossa psique não é linear, ela opera por intermédio de processos dinâmicos, por isso sempre haverá necessidade de transformação para nosso bem-estar.

Como psicólogo creio que a estabilidade emocional, ou melhor, um equilíbrio psíquico satisfatório (para o indivíduo e não necessariamente para o grupo) requer o percurso do caminho da individuação. Um caminho que atravessa estradas acidentadas e desérticas, e tentar evita-las, pelos atalhos, a despeito do momentâneo alívio e refresco, só retardará o processo além de aumentar a quilometragem do percurso. Já como cristão creio a individuação não transformará todo seu potencial em trabalho, nas levará o individuo a melhor condição emocional que ele pode se encontrar, se não vier acompanhada de um encontro com Jesus Cristo. Encontro que atualiza no indivíduo perdão, amor e graça para salvação para a vida depois da morte e para a vida antes da morte. Quem viveu entenda e quem tem ouvidos para ouvir ouça!

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