sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Amor, paixões e projeções

As relações humanas são marcadas em variados níveis por projeções; isto é, nos nossos relacionamentos atribuímos mutuamente de modo inconsciente nossas virtudes e nossos vícios, nossas qualidades e nossos defeitos, nossas luzes e nossas sombras. Passamos a ver nos outros, como se pertencessem a eles, coisas que na verdade são nossas.

A paixão é um exemplo vívido de projeção. O homem apaixonado vê sua amante como a mais bela, sensual e virtuosa das mulheres. A mulher apaixonada o vê como o mais belo, sensual e virtuoso dos homens. Embora esses adjetivos possam ser propriedades reais dela e dele, pois a projeção opera em conjunto com a identificação, a paixão os amplifica, pois é composta pela química, desejo-fantasia. Os sinais contrários à idealização do amante são desconsiderados no período de efervescência, seja por não enxergar ou por não querer enxerga-los sob o risco do objeto idealizado se desmantelar. Não é à toa que dizem que a paixão é cega.

Todavia, quando a paixão arromba a razão da percepção dos fatos ela conspira contra sua própria destruição. Mais cedo ou mais tarde a realidade se impõe à consciência e o objeto idealizado é quebrado, quando não se torna odiado ou persecutório, ou quando o sujeito não surta.

As projeções não se restringem aos relacionamentos entre os seres humanos, elas se estendem às relações deles com Deus. Há, porém, uma diferença, ao contrário dos relacionamentos humanos em que as projeções são multilaterais, no relacionamento com Deus elas são unilaterais. Enquanto por veras nós vemos em Deus nossa imagem projetada – tornando na prática verdade a teoria do filósofo alemão Ludwig Feuerbach de que não foi o homem que foi criado à imagem e semelhança de Deus, mas Deus que foi criado a imagem e semelhança do homem - Ele nos vê exatamente como nós somos. “... todas as coisas estão descobertas e patentes aos olhos daquele a quem temos de prestar contas (Hebreus 4.13)”.

O extraordinário é que a despeito disso, de ver o nosso horror, nossa obscuridade, nossos traços de iniqüidade corroendo a sua imagem plantada em nós, Ele nos ama. Amar em suas diversas colorações e conotações requer reconhecer no outro suas virtudes e seus vícios, suas qualidades e seus defeitos, suas luzes e sobras, integrar o bem e o mal na representação que temos dele. A paixão se for autêntica não será apagada, será crivada pela razão e depurada para ser o combustível do amor.

O amor de Deus por nós revelado é o protótipo das formas humanas de amar. Ao assumir a condição humana em Jesus Cristo, seu filho, Deus experimentou as limitações e fraquezas intrínsecas a humanidade coexistindo com sua divindade e se entregou em sacrifício de amor, pela graça de Deus, para salvação da humanidade. Pela simples paixão a cruz não chegaria, pois nunca se iludiu com os aclames, nem ignorou a insensatez humana. Perto de sua morte foi abandonado pelo povo e inclusive pelos seus discípulos. Pela razão e pelo bom senso não teria motivo para nos amar e salvar, e sim para nos odiar e condenar. Nem a encarnação teria ocorrido.

Ele nos ama porque assim determinou, não pelo que somos, mas apesar daquilo que somos. A sua graça superabundou onde abundou o pecado; ou seja, amou-nos sabendo exatamente quem nós somos para louvor da sua glória.

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