sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Ceu e inferno: você foi salvo do quê?

Céu e Inferno: você foi salvo do quê?
O apelo clássico do evangelismo diz que é preciso aceitar a Jesus como único salvador para ir para o céu, passar a eternidade no paraíso. Os pregadores mais inflamados reforçam o apelo alertando sobre a vida póstuma daqueles que recusam a Cristo e desobedecem aos seus mandamentos: fogo eterno, lago que arde fogo e enxofre, lugar de choro e ranger de dentes. Opa, não esqueci, os calvinistas não usam a expressão “aceitar a Jesus” porque crêem que é Deus que nos aceita em Cristo, somos predestinados por Ele para a salvação, logo não é o ser humano que voluntariamente decide ser salvo.

Afinal, como poderia, fui catequizado na Igreja Presbiteriana do Brasil. E digo mais, continuo não gostando dessa expressão nos termos em que ela costuma ser colocada, como se Jesus estivesse esmolando nosso amor. Creio, sim, que é Jesus que nos aceita por e em amor e graça, não mais, porém, me baseio num sistema de pensamento rígido e mecanicista. Não tenho mais a pretensão de resolver o paradoxo entre soberania de Deus e liberdade humana, paradoxo não é para ser resolvido é para ser crido pela fé. A Palavra de Deus não é para ser explicada, racionalizada, é para ser vivida. E Deus é soberano inclusive sobre sua soberania.

Ressalvas a parte, na prática o que fica na cabeça do indivíduo que ouve a mensagem evangelística é que é preciso professar a fé em Cristo e seguir seus mandamentos para garantir a salvação. Mas que salvação é essa? Eu sou salvo do quê e para quê? Em termos práticos muda alguma coisa na minha existência terrena, confere alguma vantagem ou é algo que diz respeito apenas à vida após a morte?

Questões como essas inquietam e não encontra respostas satisfatórias que nos façam desejar ardentemente materializar o Espírito do novo céu e da nova terra na ordem temporal, e aplaquem o medo da morte, se nossa visão da salvação se restringe a uma mudança geográfica. Imaginem irmos para o céu com nosso jeito de ser, com nossas dissonâncias psíquicas, nossas esquisitices, nossos desatinos, carregados do nosso lixo emocional. Projetaríamos mutuamente nossas sombras e, assim, logo infernizaríamos o céu, não haveria paraíso que resistisse. Já imaginou ter que passar a eternidade na companhia de crente chato? Só seria melhor do que ser tragado pelo inferno.
É melhor não imaginar, mas crer que a salvação de Jesus é integral, que além de nos salvar de uma geografia tenebrosa, ele nos salva de um estado de ser tenebroso. Salva-nos de nossa natureza obscura que sombreia sua luminosidade em nós e turva nossa visão, dificultando que enxerguemos a sua imagem na criação decaída e nos mobilizemos para resgata-la, imprimindo as marcas do Reino. Da mesma obscuridade que, por vezes, nos dessensibiliza da dor do nosso semelhante, ergue barreiras ao contato com o próximo, mata nossa fome e sede de justiça, ensoberbece-nos em nossas vaidades e em nossos pretensos méritos, mitiga a nossa gratidão àqueles que já nos nutriram com amor, acarreta culpa e impede de gozarmos a vida nas suas possibilidades reais de gozo e torna a vida um fardo pesado.

Àqueles que não buscam a atualização dessa salvação existencial, não por intermédio de práticas ascéticas, e sim por meio de uma entrega radical ao amor e a graça de Cristo, existencialmente “gozam” do prelúdio do inferno, independentemente do indivíduo ser crente ou descrente. No primeiro caso ele vai clamar a Deus para tirá-lo da tribulação ou para tirar-lhe a vida. A morte é entendida aí como a última e única porta para a salvação, o tiro de misericórdia. No segundo caso, se um cristão, seja ele manso ou raivoso, disser a ele, que é preciso aceitar a Jesus, senão irá para o inferno, ele não ficará impressionado e responderá com uma forte dose de razão que o inferno é aqui e se prontifica até à levá-lo até lá para que possa conhecer, pois provavelmente ele se encontra em sua própria casa.

Porém, a salvação não é apenas uma operação de subtração, é também de adição, divisão e multiplicação. Jesus adiciona em nós um novo ser - ao desinstalar o velho ser, o não-ser -, que autenticado em amor, é chamado para dividir os frutos materiais e simbólicos do reino e assim ter a sua colheita multiplicada. Para se deleitar como membro de um corpo coletivo e harmonioso, que tem um Pai que é nosso.

Que Deus nos conceda sabedoria para selecionar o material que temos que utilizar para edificar nossa casa espiritual – nossa salvação -, porque o alicerce, Jesus Cristo, já nos foi dado. O tempo mostrará, através do fogo depurador, se o que estamos usando é ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno ou palha (I Coríntios 3.10-15). Deus permita que nossa salvação não seja pelo fogo.

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