sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Escritura Sagrada e Palavra de Deus

Ao ler vários trechos de algumas obras do teólogo e pastor reformado Karl Barth (1886 – 1968), natural da Basiléia, Suíça, em especial “Carta aos Romanos” - um comentário sobre a epístola do apóstolo Paulo a comunidade cristã de Roma - e algumas apreciações de sua teologia como um todo, fui atraído pela concretude de sua cristologia.

É oportuno lembrar preliminarmente que Barth viveu numa época em que a secularização já estava num estágio avançado na Europa Ocidental, em especial nos países de predominância da vertente protestante do Cristianismo, como a Suíça, a Holanda e a Inglaterra, além da Alemanha, onde os índices do protestantismo e o catolicismo são bem equilibrados. O liberalismo teológico já estava impregnado nas faculdades, nos seminários e nas igrejas cristãs, hegemonicamente nas protestantes. A Bíblia já havia sido dessacralizada, submetida à crítica literária, os fenômenos miraculosos relatados por ela foram desmistificados, atribuídos à mente primitiva, pré-científica; a razão foi erguida e a fé subordinada a ela no conhecimento bíblico.
Graduado na tradição liberal Barth começou a desacredita-la durante o seu ministério pastoral, quando começou a perceber que a erudição teológica liberal, com suas dissertações críticas sobre o relato bíblico, seu humanismo demasiado e seu otimismo no progresso da humanidade por suas próprias virtudes, era ineficaz para saciar a fome espiritual dos fiéis. Eles requeriam uma palavra que atendesse suas demandas existenciais, que os confortasse e desse alento em seus problemas psíquicos e sociais.

O descrédito no liberalismo teológico foi consumado durante a Primeira Guerra Mundial (1914 - 1918). Barth se decepcionou profundamente com o apoio declarado de professores seus, à política de guerra do Kaiser, em 1914, o imperador alemão Guilherme II. A carnificina da guerra pulverizou em Barth a crença que restava no progresso da humanidade.

Felizmente o fruto do desapontamento foi o (re) enlace de Barth com a Bíblia, como Escritura Sagrada, que gerou sua teologia da Palavra de Deus, a saber, de Jesus Cristo. Barth diferencia Escritura Sagrada – Bíblia - de Palavra Deus. A primeira contém, mas não esgota a segunda, que a extrapola. A Palavra de Deus é sujeito – Jesus Cristo -, que se revela, fala e confronta; não é um objeto – Escritura Sagrada - que pode ser controlado e ser dissecado. Pelo contrário, é ele que controla e disseca: “Porque a Palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até o ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração”. (Hebreus 4.12)

A Palavra de Deus, segundo Barth, assume três formas indissociáveis:

1. Revelação: compreende toda a história da humanidade, que é a história da salvação, cujo ápice é a encarnação de Deus, a manifestação visível de sua Palavra - Jesus Cristo. O Antigo Testamento aponta para sua vinda e o Novo Testamento a recorda e sinaliza sua volta. Em Jesus Cristo Deus concede a humanidade, a chave que abre as portas para a compreensão do passado e do futuro.

2. Bíblia: é o testemunho humano sobre a Revelação. Por ser humano é sujeito a condicionamentos sócio-históricos, na apreensão e na descrição dela. É Palavra de Deus na medida que Deus fala por seu intermédio.

3. Pregação: é o testemunho da Igreja acerca da Revelação, abrange a teologia e os sacramentos (batismo e eucaristia). Seu padrão de referência é o testemunho escrito da Revelação – a Bíblia – compreendida a luz de Jesus Cristo. Toda filosofia empregada na sua estruturação e transmissão tem como condição sine qua nom a subordinação à Escritura Sagrada e esta a Jesus Cristo.

Com Barth aprendemos de forma nítida que toda teologia por melhor sistematizada e mais sofisticada que seja, que não tenha Jesus Cristo como ponto de partida e ponto de chegada, não passará de uma abstração estéril no conhecimento da Revelação. Pode até incitar “masturbação mental” nos “intelectuais da fé” e arroubo na massa religiosa, todavia pouco nos aproximará da Palavra de Deus. A doutrina da Trindade não passará de fórmula metafísica se não compreendemos o Deus acima de nós – Pai – e o Deus com nós – o Espírito Santo – tendo como paradigma Jesus Cristo. “Ele [Deus Filho], que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser [Deus Pai” (Hebreus 1.3)...

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